Fechado desde março deste ano pela pandemia causada pelo coronavírus, o Instituto Pavão Cultural, em Barão Geraldo, retoma parcial e, por ora, virtualmente, suas atividades no final deste mês, com “Trama Incomum”, exposição realizada em parceria com o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira. Serão exibidas obras do acervo do Museu Vivo Cândido Ferreira produzidas pelos usuários da instituição a partir da década de 1990, ainda no âmbito do hospital psiquiátrico, até os dias atuais, em ateliês de arte ou como parte da terapia domiciliar.
Os arquitetos Teresa Mas e Mario Braga, gestores do Pavão que assinam a curadoria junto com a artista visual Cecília Stelini, do Museu Vivo Cândido Ferreira, chamam a atenção para o valor não apenas artístico, mas documental, do projeto. “Esse acervo faz parte da história do processo de luta antimanicomial e da busca de um tratamento solidário, afetivo e inclusivo aos portadores de sofrimento mental, luta essa em que o Cândido é referência para todo o Brasil”, comenta Teresa.
“Trama Incomum” traz lonas pintadas em grandes formatos (1,60×1,60m), paninhos bordados “muito pequenos e delicados”, retratos impressos em tecido e retrabalhados com materiais diversos pelos próprios retratados, máscaras grafitadas e envelopes desenhados com poesia. “São obras produzidas por cerca de 40 artistas. O número não é exato pois há trabalhos feitos a muitas mãos e por pessoas de quem se perdeu o contato”, diz Braga.
A mostra será aberta em dois dias, apresentando virtualmente o show de voz e violão “Águas de dentro”, dos músicos Guga Costa e Breno Lopes, gravado semana passada no Pavão, com inserção de clipes de vídeo-dança criados por Hellen Audrey e Raquel Gouvêa, dialogando com o espaço e as obras. O show será transmitido pelos canais do Pavão no Youtube e no Facebook (veja no quadro abaixo). Na sexta, dia 25, às 15h, será exibida uma versão pocket, seguida de uma conversa com o público sobre a exposição, via Zoom (link para a sala fornecido via chat durante a apresentação). No sábado será transmitido o show completo, às 20h, igualmente seguido de bate-papo via Zoom para os interessados.
Durante as transmissões será solicitada uma contribuição financeira dos espectadores, que poderá ser feita em ambiente seguro e certificado, por meio de QR Code e transferência bancária. “Em ambos os dias faremos uma introdução sobre a exposição e a importância desse apoio para a nossa manutenção, das oficinas do Cândido, e também para a remuneração dos músicos, nesses tempos tão difíceis para a cultura”, explica Teresa.
As obras poderão ser conferidas em imagens e vídeos curtos que o Pavão divulgará em suas redes sociais ao longo do período da mostra, que vai até 21 de novembro de 2020. Um vídeo de visita mediada por arte-educadora sobre “Trama Incomum” deve ser gravado em breve, com todo o conteúdo da exposição.
Nas semanas seguintes à abertura, sempre às quartas-feiras, às 15h, haverá uma série de rodas de conversa entre artistas e profissionais da saúde promovidas pelo Pavão com participação virtual do público, que abordarão, entre outros temas, arte e o contexto da saúde mental; trabalho dos atelieristas de espaços de saúde mental; luta antimanicomial; Museu Vivo e memórias do Cândido Ferreira. As condições para as inscrições serão divulgadas nas redes sociais do Pavão.
As visitas acontecerão de forma agendada, assim que a cidade entrar na fase verde do plano de retomada, que permitirá a abertura de espaços expositivos com circulação maior, informa Mário Braga. “Receberemos, então, no máximo 20 pessoas ao mesmo tempo, o que corresponde a 25% da nossa capacidade. O espaço permanecerá com as janelas abertas para ventilação natural, será obrigatório o uso de máscaras e o teste de temperatura na entrada. Serão disponibilizados todos os itens de higiene recomendados pelas autoridades, bem como a comunicação visual interna lembrando a todos das precauções a serem tomadas”, garante.
“Trama incomum”
O título da mostra foi proposto a partir do recorte selecionado do acervo do Museu Vivo Cândido Ferreira, constituído principalmente por obras em lonas e tecidos, pintados e bordados e feitas, muitas vezes, de forma coletiva nos ateliês de arte da entidade.
Remete também ao histórico das artes de usuários de serviços de saúde mental no País, acrescenta Braga. “Em 1981, o curador Walter Zanini criou, no contexto da 16ª Bienal de São Paulo, um módulo formado apenas por artistas marginalizados, dentre eles pacientes de saúde mental. Esse módulo foi chamado de Arte Incomum. Tal termo, apesar dos anos corridos, ainda se mostra extremamente relevante, considerando as diversas dúvidas, mistérios e tabus, que circundam a saúde mental e o papel das artes neste meio”, afirma o curador (para saber mais, acesse https://pavaocultural.org/trama-incomum).
Art Brut
Os curadores explicam que obras produzidas por usuários de serviços de saúde mental são categorizadas e reconhecidas no mundo das artes como Art Brut. “Esse conceito, ainda que controverso, foi apresentado em 1945 pelo artista Jean Dubuffet”, comenta Teresa Mas. Ela registra a designação dada por Christian Berst, um galerista francês especializado nessa arte: “Essas obras sem um destinatário claro são produzidas por personalidades que vivem na alteridade – seja mental ou social. Suas produções ora nos remetem à metafísica da arte – isto é, ao impulso criativo como tentativa de elucidar o mistério de estar no mundo – ora à necessidade de reparar este mundo, de curá-lo, de torná-lo habitável”.
“Nesse momento de pandemia, em que todos sofremos angústias pela falta de afeto, pela necessidade de isolamento, pela falta de liberdade, pelo medo ou luto, parece que estamos todos dentro da mesma trama. Não faz muita diferença um estado alterado de consciência transitório ou permanente, esses sentimentos expressados pela arte trazem a reflexão que esperamos dessa mostra”, opina Teresa.
“O Pavão Cultural é uma instituição dedicada a exposições e projetos culturais voltados para artes visuais, cênicas, música, e atividades educativas na cidade de Campinas. Sua estrutura física e de recursos humanos torna possível o compartilhamento de parte desse importante acervo com a comunidade. O reconhecimento da diversidade social e cultural se dá pela inclusão afetiva de diferentes atores no circuito artístico”, defende Braga.
“Será uma experiência incrível e uma oportunidade única de conhecer um acervo artístico vigoroso e um patrimônio da cidade de Campinas”, finaliza Teresa.
Ateliês
Participam de “Trama Incomum” os seguintes ateliês vinculados ao Serviço de Saúde Cândido Ferreira:
Acervo de Arte Cândido Ferreira: Acervo formado em grande parte a partir da produção de usuários da saúde mental no Espaço 8 Atelier (1992 a 2005), sob a orientação do artista plástico João Bosco, ainda no hospital psiquiátrico. Muitas obras foram selecionadas e premiadas em salões e bienais de arte. Atualmente gerido pela psicóloga Gal Soares de Sordi.
Ateliê de Livre Expressão do Centro de Convivência Casa dos Sonhos: espaço aberto à comunidade, reúne usuários da saúde mental, alunos da Fundação Municipal para Educação Comunitária (FUMEC), artistas em geral, parceiros e voluntários. Fundado em 2009, ao longo de sua história foi coordenado por alguns profissionais da instituição. Atualmente está sob orientação de Larissa Camatta Zambon, do Cândido Ferreira, e Rodrigo Ribeiro, do Centro de Convivência Intergeracional e Inclusivo da Associação Cornélia. Em 2009, o Ateliê ganhou o “Prêmio Loucos pela Diversidade” – edição Austregésilo Carrano – Ministério da Cultura (MinC) e Ministério da Saúde – FIOCRUZ.
Arte Urbana do Centro de Convivência Casa dos Sonhos: voltado para público jovem, é um espaço aberto à comunidade para criações em grafite, sticker, estêncil, sobre a perspectiva da arte urbana como movimento libertário de ocupação do espaço público a partir de reflexões e reivindicações sobre a vida na sociedade. O ateliê é coordenado pelo artista plástico Mirs Monstrengo e pelo educador social Rodrigo Ribeiro, e mantido pelo Centro de Convivência Intergeracional e Inclusivo da Associação Cornélia e pelo Cândido Ferreira.
Ateliê do Centro de Convivência Toninha: espaço aberto que reúne usuários da saúde mental e demais artistas da comunidade, alunos da FUMEC, parceiros e voluntários. Coordenado pelo ator Marcelo Pinta.
Ateliê de Experimentação em Arte do CAPS Esperança: Trabalho coordenado por Caroline Ferreira Jorge, voltado aos usuários da saúde mental do Caps Esperança.
Mostra coletiva “Trama Incomum”
Abertura virtual
25/9 às 15h – Vídeo do pocket show de voz e violão “Águas de dentro”, com os músicos Guga Costa e Breno Lopes, transmitido pelos canais do Pavão no Youtube (http://bit.ly/youtube_pavao) e no Facebook (www.facebook.com/pavaocultural). Na sequência haverá uma conversa sobre a exposição aberta à participação do público, via Zoom – os interessados devem entrar em contato pelo chat do canal (Youtube ou Facebook) durante o show para solicitar o link de acesso.
26/9 às 20h – Vídeo completo do show de voz e violão “Águas de dentro”, com os músicos Guga Costa e Breno Lopes, transmitido pelos canais do Pavão no Youtube (http://bit.ly/youtube_pavao) e no Facebook (www.facebook.com/pavaocultural). Logo depois do show também haverá um bate-papo via Zoom, com link fornecido nos chats dos canais durante a apresentação.
Durante as transmissões será solicitada uma contribuição financeira dos espectadores, que poderá ser feita em ambiente seguro e certificado, por meio de QR Code e transferência bancária.
Indicação etária: livre
O Instituto Pavão Cultural fica na Rua Maria Tereza Dias da Silva, 708, Cidade Universitária, Barão Geraldo, Campinas, SP. Telefone (19) 3397-0040 e WhatsApp (19) 99633-4104 (atendimento das 14h às 20h).
(Carta Campinas com informações de divulgação)
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