O Brasil é o país onde mais morreram gestantes por covid-19
.Por Alexandre Padilha.
Estamos chegando a marca de 100 mil óbitos e 3 milhões de casos confirmados por covid-19. Ainda somos o segundo país com maior número de casos e óbitos pela doença no mundo, e também o país com mais mortes de profissionais da saúde e de gestantes. Cerca de 80% das gestantes do mundo que morreram por covid-19 são brasileiras, de cada 10 gestantes do mundo que vieram a óbito por covid-19, 8 foram no nosso país.
Entre tantos assuntos para o enfrentamento da covid-19 debatidos na Comissão Externa que analisa ações para o combate da doença na Câmara dos Deputados, esta semana discutimos a situação da gestante no Brasil durante a pandemia. O país registra mais de 200 óbitos de gestantes ou no pós-parto, sendo maior mortalidade em mulheres negras.
Nesta reunião estiveram presentes representantes do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Santa Catarina, da Faculdade de Enfermagem da Universidade de Campinas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de Campina Grande, além Secretário Nacional de Atenção Primária do Ministério da Saúde.
Abordei a alta mortalidade materna por covid-19 e questionei o representante do Ministério da Saúde sobre a afirmação de que “não há dúvida que a alta mortalidade materna em decorrência da covid-19 está relacionada ao fato das gestantes não procurarem os serviços de saúde no tempo adequado por conta da recomendação do fique em casa”. Indaguei se esta avaliação é respaldada por estudos técnicos, incluindo com outras referências internacionais de países que adotaram o isolamento social de maneira mais adequada.
A professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Santa Catarina, Roxana Knobel, apresentou dados do Grupo Brasileiro de Estudos de Covid-19 e Gestação criado pela instituição que aponta a piora da evolução dos óbitos de gestantes e também a diferença racial entre os óbitos de mulheres brancas e negras, que são hospitalizadas em piores condições. As gestantes brancas internadas com saturação de oxigênio baixa em decorrência da covid-19 representam 30%. Já das gestantes negras, está proporção é de cerca de 50%, mostrando que há dificuldade dessas gestantes em ter acesso aos serviços de saúde.
Depois de quase cinco meses de pandemia com constante alta na transmissão em algumas regiões do país, ainda não existe campanha do Ministério da Saúde com orientações específicas às gestantes. Não há vídeos do Governo Federal ou do Governo Bolsonaro sobre o tema com as pactuações entre os estados e municípios e preocupações de acesso aos serviços de saúde.
A falta de acesso pode ser o principal motivo pelo fato do Ministério da Saúde não ter garantido uma rede ampliada de testagem desde o começo da pandemia. Será que não é esse o motivo da taxa de mortalidade materna ser tão alta?
Além dessa questão, tem chegado a mim relatos de mulheres sobre a não garantia do direito de acompanhante no pré-parto, parto e pós-parto neste momento da pandemia. Pode até se ter justificativa sanitária para essa medida, mas esse não pode ser um dos motivos. Sabemos que a ausência do acompanhante está associada a um conjunto de práticas não corretas na atenção ao parto, que alguns classificam como violência obstétrica. A ausência do acompanhante neste momento por barreiras sanitárias ou por decisões institucionais de aproveitar essa situação e afastar esse direito que está previsto em lei nos mostra o quanto é importante pensar em estratégias para garantir a qualidade da assistência ao parto nesse momento de pandemia.
O fato de sermos o país com maior número de óbitos de gestantes mostra o quanto as mulheres são as mais vulneráveis neste momento de pandemia. A política genocida de Bolsonaro, que não é em defesa da vida, acomete os mais vulneráveis. O acesso a saúde é o nosso maior direito constitucional.
Alexandre Padilha é médico, professor universitário e deputado federal (PT-SP). Foi Ministro da Coordenação Política de Lula e da Saúde de Dilma e Secretário de Saúde na gestão Fernando Haddad na cidade de SP.