Um pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp), universidade pública com várias unidades no interior do estado de São Paulo, fez uma descoberta importante que pode ajudar na produção de medicamento contra o coronavírus e a desvendar porque os casos mais graves acometem homens com mais de 60 anos no mundo todo.

(foto heudes regis – sei – fp)

Na região de Campinas, por exemplo, até o momento cerca de 70% dos óbitos por covid-19 são do sexo masculino, maioria acima dos 50 anos.

Os pesquisadores do Instituto de Biociências (IBB) da Unesp em Botucatu descobriram que justamente nesse grupo de pacientes (acima de 60 anos) a expressão de um gene chamado TRIB3 está diminuída nas células epiteliais do pulmão – alvos preferenciais do novo coronavírus (SARS-CoV-2).

Já nas mulheres, diferente dos homens, os pesquisadores não observaram mudança na expressão de TRIB3 ao longo dos anos, o que talvez ajude a explicar por que os homens idosos são os mais propensos a desenvolver pneumonia e insuficiência respiratória quando infectados pelo novo coronavírus.

Reportagem de Karina Toledo, da Agência Fapesp, revela que artigo publicado na plataforma bioRixv, em versão pré-print (ainda sem revisão por pares), o grupo coordenado pelo professor do Instituto de Biociências (IBB-Unesp) Robson Carvalho apresenta dados de estudos anteriores que indicam o potencial da proteína TRIB3, codificada pelo gene de mesmo nome, de inibir a infecção e a replicação de vírus semelhantes ao SARS-CoV-2. Portanto, diz o texto, “medicamentos que estimulam a expressão de TRIB3 devem ser avaliados como potencial tratamento para COVID-19”.

“Há uma droga com esse mecanismo de ação sendo testada contra câncer de endométrio por uma farmacêutica espanhola. Estamos estabelecendo parcerias para novos estudos com o objetivo de testar in vitro o efeito de compostos que estimulem a expressão de TRIB3 em células infectadas pelo novo coronavírus”, disse Carvalho à Agência Fapesp.

A descoberta dos pesquisadores da universidade pública paulista foi possível porque inicialmente eles já pesquisavam a prevalência maior de câncer de pulmão em idosos. Os pesquisadores da Unesp investigavam como a expressão gênica no órgão se altera à medida que as pessoas envelhecem. Para isso, analisavam o repositório do projeto Genotype-Tissue Expression (GTEx), financiado pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos. Esse banco de dados público reúne dados moleculares de mais de 17 mil amostras de 54 tecidos diferentes, entre eles o pulmão.

“Começamos com dados de 427 indivíduos. As amostras foram estratificadas de acordo com a faixa etária: comparamos o grupo de 20 a 29 anos com o de 30 a 39, depois com o de 40 a 49 e assim por diante, até 79 anos”, explicou Carvalho.

Segundo Carvalho, dados da literatura científica sugerem que a menor produção da TRIB3 pode favorecer a infecção e a replicação de alguns tipos de vírus, entre eles o causador da hepatite C (HCV). Sabe-se ainda que a molécula integra duas vias de sinalização celular – uma chamada UPR (sigla em inglês para resposta a proteínas não enoveladas) e outra conhecida como via de autofagia – que são importantes para o ciclo biológico de vários coronavírus.

Os pesquisadores cruzaram essa descoberta relacionada ao envelhecimento pulmonar com o conteúdo de outro banco de dados denominado P-HIPSTer (sigla em inglês para predição de interações moleculares patógeno-hospedeiro por similaridade de estrutura), cujo algoritmo explora informações baseadas em sequências e estruturas moleculares para inferir a probabilidade de interações entre vírus e proteínas humanas.

“Embora esse atlas não tenha a rede de interação entre as proteínas humanas e as do novo coronavírus, há dados referentes ao SARS-CoV, patógeno da mesma família que causou o surto de síndrome respiratória aguda grave em 2002. É o vírus mais intimamente relacionado ao SARS-CoV-2”, diz Carvalho.

Segundo Carvalho, foi observado que a TRIB3 apresenta alta probabilidade de interagir com a proteína do nucleocapsídeo do SARS-CoV. “E, quando se compara o SARS-CoV e o SARS-CoV-2, observa-se 94% de similaridade entre as sequências dessas proteínas”, conta.

A equipe da Unesp, que teve o apoio da Fapesp, também contou com a participação de Brunno Paiva, Sarah Santiloni Cury e João Pessoa Araújo Jr. Colaborou ainda o pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcelo Mori, que recentemente teve um auxílio aprovado na chamada “Suplementos de Rápida Implementação contra COVID-19” para investigar como o envelhecimento contribui para a infecção pelo SARS-CoV-2.

O artigo Prediction of SARS-CoV interaction with host proteins during lung aging reveals a potential role for TRIB3 in COVID-19. pode ser lido em https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.04.07.030767v1. (Com informações de Karina Toledo da Agência Fapesp)