Negócios da educação no Brasil crescem com as crises!

.Por Paulo Bufalo.

No momento em que vivemos os efeitos dramáticos da crise do novo coronavírus e do isolamento social como única forma de evitarmos a contaminação pelo COVID-19, o setor empresarial da educação e seus governos, vislumbraram mais uma “janela de oportunidade” para expansão do mercado da educação a distância – EaD em todos os níveis da educação no país.

(foto coyot – pl)

As ofensivas durante crises políticas e sociais se tornaram práticas corriqueiras destes grupos de “abutres1” e envolvem o aumento da oferta de EaD, a formação de docentes e a venda de materiais, tecnologias e formas de gestão.

A EaD desde 1996, estava prevista na Lei de Diretrizes e Bases Educação (Lei Federal 9.394/96) e sempre foi muito contestada por educadores e movimentos comprometidos com a educação de qualidade. Até 2016, apesar das pressões permanentes do setor empresarial só havia sido implementada no ensino superior para graduação e especializações, em instituições que atuassem também com cursos presenciais e sob credenciamento e fiscalização pelo Ministério da Educação – MEC.

Logo que assumiu a presidência, após o golpe, Temer emitiu a Medida Provisória 746/2016 que foi convertida na Lei 13.415/2017 e regulamentada pelo Decreto 9.057/2017 que passou a permitir na educação superior o credenciamento de instituições com 100% de cursos em EaD e afrouxou os critérios de abertura e fiscalização dos pólos.

Na educação básica Temer amplia a possibilidade da EaD na educação básica, prevendo o uso em situações emergenciais para séries finais do nível fundamental e em quaisquer condições para o nível médio conforme a nova estrutura e parâmetros curriculares deste nível de educação, que também foram adequados pelo governo aos interesses do setor empresarial.

No final de 2018 o Conselho Nacional de Educação – CNE, depois de uma consulta popular fajuta, liberou o uso da EaD em até 20% da carga horária do Ensino Médio diurno, 30% do noturno e 80% da Educação de Jovens e Adultos, bastando que os conselhos estaduais e municipais regulamentassem a oferta.

Os interessados trataram de comemorar os presentes do governo elogiando o que chamaram de desburocratização e a possibilidade de expansão de seus negócios em todos os níveis de educação, sem qualquer preocupação com a qualidade da oferta.

No atual governo, além da opinião do próprio presidente Bolsonaro, que defende a liberalização total da EaD em todos os níveis da educação, foram várias manifestações e iniciativas dos órgãos institucionais pela sua expansão, principalmente nas Universidades Públicas.

No mês de dezembro de 2019 o MEC publicou a portaria n. 2.117/2019 que aumentou a possibilidade da EaD de 20% para até 40% da carga horária dos cursos presenciais oferecidos pelas Universidades Públicas Federais. Um ano antes o Ministério já havia adotado estes percentuais para as instituições privadas de ensino superior.

Com a necessidade do isolamento social para evitar a contaminação pelo COVID-19, as creches, escolas e universidades públicas e privadas tiveram que ser fechadas, afetando de diferentes formas o cotidiano e a vida de todas as comunidades em torno destas instituições.

Os governos em geral e as instituições públicas e privadas, na busca de saídas para seus “problemas de calendários” e de salvação dos períodos letivos a qualquer custo, ignoraram outras dimensões do problema, como as condições socioeconômicas ou de saúde de seus próprios trabalhadores, alunos e suas famílias e passaram a exigir um grau de empenho ao trabalho e aos estudos incompatíveis com a realidade de sobrevivência.

Neste momento aqueles governos alinhados com os interesses do setor empresarial, mais uma vez, operam pela expansão acelerada do uso da EaD e tudo de ruim que isto representa, para universidades e para a educação básica públicas do país.

No dia 17 de março o MEC baixou a Portaria n. 343/2020, relaxando regras e incentivando o uso de formas de EaD nas universidades públicas e privadas em caráter excepcional por 30 dias, podendo ser prorrogado. O Ministério, porém, preservou “limites de legislações” anteriores e logo percebeu que isto poderia inviabilizar seus intentos. Por isso, no dia 19 de março, em nova Portaria n. 345/2020 eliminou qualquer referência a “legislações em vigor” e possíveis entraves.

No dia 1 de abril, através da Medida Provisória – MP 934/2020, o governo federal suspendeu o cumprimento dos 200 dias letivos e manteve a obrigatoriedade das cargas horárias mínimas dos cursos em todos os níveis da educação, deixando um flanco aberto para contabilização das horas de EaD e suas variações na garantia das cargas horárias obrigatórias.

A última cartada do MEC, até o momento, foi a Portaria n. 376/2020 do dia 3 de abril que autorizou “em caráter excepcional, quanto aos cursos de educação profissional técnica de nível médio em andamento, a suspender as aulas presenciais ou substituí-las por atividades não presenciais, por até sessenta dias, prorrogáveis”, nas instituições integrantes do sistema federal de ensino, ou seja, as escolas públicas federais e privadas com cursos técnicos de nível médio.

Conforme a Portaria, as instituições que decidirem pela suspensão das aulas presenciais deverão repor integralmente suas cargas horárias podendo ajustar calendários e utilizar os recessos e férias.

As instituições que optarem por substituir as aulas presenciais por atividades não presenciais deverão organizá-las de modo a garantir mediação com tecnologias digitais e acesso a materiais de apoio e orientação no domicílio do estudante. Ficou vedada o uso de atividades não presenciais para “práticas profissionais de estágios e de laboratório”.

Caso estas atividades não presenciais, sejam estruturadas em EaD, será de responsabilidade das instituições “a definição das atividades curriculares que forem substituídas, a disponibilização de ferramentas e materiais aos estudantes, que permitam o seu acompanhamento, as orientações e o apoio para o seu desenvolvimento”.

Porém a pérola desta Portaria é um verdadeiro presente do governo federal aos setores empresariais da educação quando define que: “a carga horária correspondente às atividades curriculares substituídas, poderá ser considerada em cumprimento da carga horária total” dos cursos.

Conforme informações verbalizadas por representantes do MEC esta Portaria foi editada para dar “segurança jurídica para instituições que já haviam suspendido suas atividades e iniciado as atividades não presenciais”. Isto atende principalmente as instituições privadas que vislumbram incorporá-las integralmente às cargas horárias dos cursos; não interromperem seus planejamentos financeiros ou o recebimento de mensalidades; e não serem perturbadas por ações trabalhistas de docentes obrigados a desviarem suas funções.

O MEC continua acorrentado à burocracia e aos interesses do setor empresarial da educação, induzindo a expansão da oferta da EaD sem discutir a qualidade do modelo ofertado e ignorando a diversidade dos sistemas estaduais e municipais de educação e seus órgãos decisórios. Enquanto o COVID-19 contamina rapidamente e mata muitas pessoas, eles apostam na ampliação de seus negócios em educação.

Em geral, as posturas de governos estaduais e municipais não são diferentes desta lógica e semelhante ao que faz o governo federal, às respectivas comunidades foram colocados à margem das decisões.

Neste período de isolamento social a prioridade absoluta de todos deve ser salvar vidas. Por isso é fundamental, em todos os níveis, suspender imediatamente atividades à distância que visem compensar carga horária presencial de cursos, avaliar desempenho ou salvar “calendários” e lucros. Desenvolver apenas atividades de caráter crítico, reflexivo e humanitário com as respectivas comunidades; e garantir espaços de participação e decisão coletivos de nosso futuro, como forma de assegurar educação de qualidade socialmente referenciada, com saúde física e mental após vencermos esta etapa difícil de enfrentamento do novo Coronavirus.

1 Referência ao setor empresarial da educação usada pelo Professor Luiz Carlos de Freitas no artigo “Suspender as avaliações e unir os anos de 20 e 21”. Disponível em: https://avaliacaoeducacional.com/2020/04/02/suspender-as-avaliacoes-e-unir-os-anos-20-e-21/

Paulo Bufalo é professor e ex-vereador de Campinas