.Por Octávio Fonseca Del Passo.
Nos últimos dias muito se escreveu sobre o governo Bolsonaro e sua postura diante da pandemia que aterrissou no Brasil. Parece-nos um pouco precipitado, da parte dos analistas, fazer afirmações muito categóricas diante de uma conjuntura em que a correlação de forças merece ser medida hora a hora.
Desde junho de 2013, e já se vão quase sete anos, os acontecimentos políticos tem se acelerado a cada nova etapa. No entanto, para aqueles que têm a analise da realidade como oficio, como hobby, ou como necessidade para a orientação da prática política, parece ser menos arriscada à aposta de não realizar análises e não tentar prever o desenrolar dos fatos, do que evitar a prospecção com medo do erro. Neste sentido, gostaria de contribuir de forma simples e sintética levantando alguns apontamentos embasados nas últimas pesquisas de opinião. A saber, a questão que está como pano de fundo no raciocínio que exporei é a da base social de Bolsonaro, se ela aumenta ou diminui e se ele sairá da crise sanitária que se instalou no Brasil mais fortalecido ou enfraquecido.
O que os dados mostram
Na última sexta feira, o jornal Valor Econômico divulgou o resultado de uma pesquisa2 realizada pelo Instituto Travessia, entre os dias 20 e 21 de março. A pesquisa mostra que a crise do Coronavírus é motivo de preocupação para 68% dos entrevistados, e que 70% deles acredita que ela demorará pelo menos alguns meses para ser superada. E ainda, 54% deles creem que o mais provável é que os prejuízos econômicos se estendam pelos próximos meses.
Há uma pergunta sobre a confiança na capacidade do presidente lidar com a crise do Coronavírus e 64% diz não confiar. Um total de 50% dos entrevistados afirmou desaprovar a ação do presidente Bolsonaro diante dessa crise e 84% diz concordar com as determinações impostas para restringir o contato social. Por outro lado, 56% afirmou que não acreditam que as medidas de contenção serão eficientes para barrar o avanço do vírus no país, registrou o Instituto Ipsos em pesquisa3 realizada semanalmente.
O Instituto Altas também realizou uma pesquisa, entre os dias 23 e 25 de março, e apontou que 72% dos que responderam o questionário dizem temer mais pelas pessoas que podem morrer, e 21% pelo impacto que a pandemia causará na economia. Outro dado que nos interessa é que 57% avaliaram a imagem de Bolsonaro como negativa no dia 25 de março, 5% a mais que os 52% que assim o avaliaram no dia 18 de março. Contudo, é possível imaginar que essa avaliação ainda possa piorar, pois, mesmo que 48% já tenham afirmado que a sua renda mensal diminuiu, 43% dos entrevistados apontou que ainda não teve queda na sua renda. Notamos, portanto, que mesmo não havendo privação ou piora brusca das condições de reprodução dessas famílias, quase metade já sente o impacto econômico.
Sobre a disputa nos meios de comunicação, cabe pontuar que Bolsonaro parece estar em pequena desvantagem. Se, por um lado, a mídia tradicional está se fortalecendo, como mostrou a pesquisa4 que mediu o índice de confiança nos meios de comunicação, e notou que a confiança nas mensagens e informações enviadas pelo Whatsapp está em decréscimo, por outro lado, a confiança na mídia tradicional, como jornais impressos e televisão, está subindo.
Também nas mídias sociais essa desvantagem é notada, pois a oposição logrou aumentar o seu espaço nas redes, como mostrou pesquisa5. Na última semana as hashtags negativas foram usadas por 992 mil usuários do Twitter no Brasil, ao passo que 803 mil usaram hashtags para defendê-lo. A oposição que cresce nas redes está centrada, sobretudo, na figura de Rodrigo Maia, o que obteve o melhor desempenho de crescimento nas redes sociais (244% no último mês), mas também nas figuras de João Dória (78%), Witzel (44,5%), Lula (23,8%) e Ciro Gomes (12%).
O que a política aponta
Como não temos os dados para saber qual o índice de pessoas que, hoje, não votaria no Bolsonaro, para cruzar com os dados referentes à sua gestão da crise do Coronavírus, temos que levar em consideração outros fatores. O presidente tem um apoio de 28% dos entrevistados, segundo pesquisa do Instituto Travessia. É um dado que chama a atenção por ser um número muito próximo àquele que Bolsonaro tinha antes das eleições presidenciais de 2018. Dentre a aprovação do presidente, os homens e mais velhos ainda são em maior número. E dentre os que reprovam as mulheres e os jovens estão em maioria. Dados que também se assemelham aos obtidos pelas pesquisas realizadas antes do pleito.
Aqui temos uma primeira questão importante, pois embora Bolsonaro mantenha um número de apoiadores próximo ao número que ele tinha antes de se eleger, o presidente parece ter perdido um pouco de apoio entre os homens de idade mais avançada, justamente aquela que parecia ser parte (digo parte porque me refiro à classe média) da sua base mais fiel.
Esse dado deve ser lido com parcimônia, porque embora ele possa ser positivo ao indicar para o campo progressista o início da corrosão da base neofascista6 – que o bolsonarismo ainda não logrou organizar de maneira orgânica – ele não indica necessariamente uma virada eleitoral. Assim, este dado pode ser a senha para que outros políticos do espectro da “direita tradicional” disputem essa base e este é o caminho mais provável, já que esse voto (masculino de idade avançada e de classe média) no geral é um voto anti-PT, anti-esquerda. Lembremos que os diversos panelaços que tivemos ocorreram em algumas periferias e bairros de baixa classe média, mas foram, sobretudo, nos bairros da alta classe média e que votaram majoritariamente em Bolsonaro.
Esse ponto pode ser a chave da compreensão entre o aumento da tensão na relação entre Bolsonaro e seus oponentes de direita, em especial João Dória. Também é preciso refletir para tirar algumas conclusões, do significado do índice que aponta que 64% dos entrevistados não confiam na capacidade de gestão de Bolsonaro diante da crise sanitária, mesmo sabendo que a opinião sobre esse ponto pode ficar isolada como avaliação negativa setorial e pode não se refletir para a avaliação do governo de modo geral.
A primeira questão que aparece é: se a população não confia no presidente em relação a essa crise, em quem ela confia? Na grande mídia a confiança em jornais impressos e na televisão está aumentando e se considerarmos que em quarentena a grande maioria da população assistirá mais TV, concluiremos que caso ela se estenda por muito tempo pode acabar por fortalecer grandes inimigos de Bolsonaro, como a rede Globo, que tem forte influência na opinião popular e pode pender a balança para a “direita tradicional”. Some-se a isso o fato de que “a direita tradicional” vem ganhando espaço nas mídias sociais.
Diante desse duelo antecipado Bolsonaro e a direita tradicional, representada em especial por Rodrigo Maia, João Dória e rede Globo, se enfrentarão nas próximas semanas de maneira intensa, pois sabem que essa é uma batalha que pode significar a vitória ou a derrota.
Sobre isso vale anotar alguns pontos. Embora Bolsonaro já estivesse perdendo apoio no Congresso ele continua perdendo apoio na cena política, como mostra o posicionamento dos governadores, e, aparentemente no STF. No entanto, a maioria dos grandes empresários parece continuar ao lado de Bolsonaro, apoiando suas medidas irresponsáveis diante da possibilidade de nova recessão. Os pequenos e os médios produtores e comerciantes parecem aderir a essa posição também, uma vez que são mais vulneráveis aos possíveis déficits e realmente serão penalizados pela quarentena. Além disso, temos que deixar registrado que desde Temer o governo tem sinalizado ao capital internacional e aos pequenos e médios empresários que governaria para eles. No entanto, sem entregar quase nada para esses últimos, resta a radicalização do discurso em seu favor para a manutenção desse segmento na base do governo.
Esse apelo tem uma eficiência relativamente boa, porque enquanto segmento majoritariamente desorganizado, os pequenos e médios empresários, assim como os trabalhadores autônomos e informais, são iludidos pelo discurso do governo acreditando ser a única alternativa para não falirem. Essa seria, possivelmente, a intenção de Bolsonaro em sair em defesa, sobretudo, dos pequenos comércios. De quebra, esse discurso ainda sinaliza para a base social de trabalhadores informais, que é desorganizada politicamente, mas que até então era um voto majoritariamente petista.
Em síntese, gostaríamos de destacar seis pontos importantes que indicam uma direção, mesmo que provisória: a) a polarização principal na cena política continua sendo entre neofascistas e “direita tradicional”; b) a base politicamente ativa do bolsonarismo continua praticamente intacta; c) já a base mais ampla que o elegeu pode se diversificar nos estratos populares nas próximas semanas; d) a oposição da “direita tradicional” à Bolsonaro ganha legitimidade nas mídias tradicionais; e) a oposição da “direita tradicional” ganha espaço nas mídias sociais; f) embora Bolsonaro mantenha o apoio de seu “núcleo duro” nas mídias sociais.
A correlação de forças entre neofascistas e “direita tradicional” segue dura e a disputa ficando mais quente. A crise e a situação do governo, tudo indica, tomará uma direção mais clara nas próximas semanas e ela dependerá, sobretudo, da resolução de um dilema por parte dos trabalhadores informais e os pequenos e médios empresários: optar pela força das ideias e aderir à oposição ou aderir ao pragmatismo da vida econômica? Eis o peso da balança.
A adesão de pequenos e médios empresários, trabalhadores autônomos e informais, que até aqui existe, mas não é maciça, ocorre também pela incapacidade da esquerda e do movimento popular galvanizar o apoio desses segmentos em torno de um programa mínimo de proteção social. As condições de luta ideológica alteraram favoravelmente para o campo antineoliberal e do antinegacionismo científico, que até aqui não vem conseguindo aproveitá-las.
Octávio Fonseca Del Passo é doutorando em Ciência Política pela Unicamp e editor da Revista Cadernos Cemarx.
Referências:
2 https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/03/27/brasileiros-temem-crise-devastadora-segundo-pesquisa.ghtml
3 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/03/26/coronavirus-maioria-de-brasileiros-nao-cre-que-isolamento-social-impedira-avanco-da-doenca-diz-pesquisa.htm
4 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/tvs-e-jornais-lideram-indice-de-confianca-em-informacoes-sobre-coronavirus-diz-datafolha.shtml
5 https://blogs.oglobo.globo.com/bela-megale/post/oposicao-bolsonaro-cresce-nas-redes-sociais-mas-falta-um-lider-mostra-monitoramento.html
6 https://www.brasildefato.com.br/2019/03/19/artigo-or-o-neofascismo-ja-e-realidade-no-brasil