.Por Bruno Lima Rocha.
Ao terminar o carnaval o ano começou de fato com uma 4ª de cinzas “inesquecível”. A extrema direita foi convocada para na data de 15 de março, marcando o novo momento de micareta proto-fascista no Brasil em transe pós-golpe coxinha. Parece piada, mas a situação é bem séria. O general de Exército Augusto Heleno Ribeiro Pereira (4 estrelas), ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), como figura de proa do reacionarismo militar de alta patente, está dobrando a aposta. O uso discricionário do orçamento da União é o sonho putrefato de Paulo Guedes e sua laia de Chicago Boys e mesmo que saia um acordo de oligarcas, apenas a hiper-exposição do ex-membro da alta hierarquia do Comitê Olímpico Brasileiro na Era Nuzman já foi demonstração suficiente de estranhas lealdades na caserna.
Augusto Heleno se coloca à frente da destinação do orçamento impositivo. Se o Parlamento ceder, o pinochetista civil do governo, Paulo Guedes, apontaria uma contrapartida, prometendo aumento da margem orçamentária destinada aos estados. Na prática seria o golpe de morte na Constituição de 1988, ponto de confluência de toda direita, que vai de oligarcas decadentes aos ultra liberais do “novo”, passando por tucanos e arrivistas militarizados como os do PSL.
Ainda tem muito em jogo, mas a dimensão estrutural já foi alterada. Para a camarilha de fariseus pentecostais e “neopentecostais”, os que manipulam os milhões de brasileiros e brasileiras das várias linhas do evangelicalismo, o gol já foi marcado no governo Temer. Ainda que sempre pressionam por mais legislação de hereges praticantes do pecado da usura, as “igrejas” empresariais são o fluxo de caixa da pobreza, ultrapassando tanto as pastorais sociais como o digno esforço das linhas evangélicas de tipo diálogo ecumênico, fé e política de libertação.
Digo isso porque quem mobiliza parcialmente a pobreza são as empresas controladas por fariseus midiáticos, considerando que com a “reforma trabalhista”, o caixa dos sindicatos (mesmo burocratizados) minguou. De onde já não saía quase nada, agora sai menos ainda. Logo, as redes sociais e os canais de comunicação de primeiro nível societário – grupos de amigos, familiares, espaços de trabalho, afinidades de costumes, religião e espaço geográfico – todos estes nichos de comunicação estão permeados por bandos de direita pregando de forma irracional suas imbecilidades. É o padrão Homer Simpson, não precisa provar nada, basta querer crer que a crença se torna parcialmente “real”. Repetidos mil vezes, os clichês se tornam “conceitos” e a cloaca ideológica é transformada em estrutura de mentalidade. Maldita “pós-verdade”, cada vez mais presente no Brasil.
Com tamanho bloqueio, a luta da “sociedade civil” recai sobre quem está mobilizado, tanto socialmente como virtualmente. Na mosca para a direita fascistoide. Atacam o feminismo difuso – observando o fenômeno geracional das mulheres brasileiras -; os territórios indígenas e quilombolas – mais organizados que nunca e hoje formando a primeira linha de resistência-; fazem um escândalo acusando a defesa LGBTQ+ como sendo “ideologia de gênero”; promovem a guerra cultural contra as “esquerdas” – e aí atacam diretamente a instituição universitária que supostamente seria a maior difusora desta matriz de pensamento.
Enquanto a guerra foi essa, a “nata colonizada” ganhava simpatias ou ao menos um que de “mal menor” porque os entreguistas não gostam do chefe mas amam o especulador Paulo Guedes e idolatram Sérgio Fernando Moro, o juiz da província que a mídia transformou em xerife do país, uma espécie de herói da TFP de Miami. O problema para a governabilidade é a luta “interna” em todas as instituições estatais e privadas do país.
Quem está na fogueira das direitas? A saber: os jornalões golpistas, a caserna golpista (vide o “profissionalismo” de Villas Bôas ameaçando o STF pelo Twitter) e o estamento jurídico e coercitivo (ou seja, a meritocracia de toga que arma todas desde a Lava Jato e está rachada de ponta a ponta incluindo a luta no MPF e principalmente na PF).
Já existem mais variáveis de jogadas do que cálculos possíveis e a tendência é sair um “centrão” ainda mais articulado, incluindo a dissidência de Dória Jr (PSDB, governador paulista) e Wilson Witzel (PSC, governador fluminense). Se o mineiro Romeu Zema (Novo) se soma, aumenta o balanço da corda bamba e as apostas. Alguém imagina um governo totalmente em oposição a São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais? Em seus estados, tais chefes do Poder Executivo operam ao estilo protofascista como Bolsonaro, mas ainda conseguem calibrar o discurso para se apresentarem como “opções viáveis”.
Se em meados de 2019 pensávamos que o governo vivia entre crises, hoje sabemos tratar de algo mais grave. Estamos diante de uma crise política provocada pelo próprio governo, sua petulância e seu pânico. O presidente governa sem partido e se escora em robôs e proselitismo para milicos de alta patente com super salários.
Baderna de alta patente, militarização do governo federal e o imponderável em cena
Sei que costumo fazer analogias com a situação brasileira da década de ’50 e a crise que chegou ao clímax em 1964. Estamos longe disso, dessa segunda parte, mas perto da primeira. A “baderna das vivandeiras” criou asas de barata cascuda e voou. Primeiro surfando nas redes sociais, burocratas de uniforme querendo uma fatia de prestígio manipulando hordas de idiotas e supostamente dividindo as preferências e lealdades com a “ala profissional”. No enredo que seguiu, este analista aqui faz autocrítica pela equivocada apreciação. Cheguei a pensar em uma ala “saudosista e revanchista”, representada por generais como Hamilton Mourão (vice-presidente eleito) e Sérgio Etchegoyen (ex-chefe do GSI do governo golpista de Temer) e outra, a dos coturnos de carreira, tropeiros convictos, como Eduardo Villas Bôas e Fernando Azevedo. Ledo engano.
Agora recai a “esperança” sobre o general de divisão Carlos Alberto Santos Cruz, que supostamente explicita um mínimo de sensatez. A mesma que lhe faltou para aceitar entrar no governo do capitão expulso do quartel e que não existe na coleção de oficiais de alta patente em verde oliva servindo no desgiverno.
Se no “governo” Temer o problema mais visível seria o Entreguismo, Bolsonaro e sua dinâmica olavista aumentam o problema, sendo que qualquer manifestação sensata e não intervencionista já é vista como sendo de “centro”.
Aumenta a aposta de Bolsonaro e multiplicam-se os problemas nos quartéis. Como fazer com que mais de 100 oficiais superiores e generais voltem para os quartéis ou vistam comodamente o pijama da reserva? Pensem na imagem das conversas de bastidores no Clube Militar? Imaginem a prosa entre as partidas de carteado no Posto 6 em Copacabana? Pois bem, agora estão presentes no cotidiano do Poder Executivo assim como em representações parlamentares e nos governos estaduais. É tudo inversamente proporcional. A capacidade dos militares de carreira se dedicarem à defesa do país – em seus múltiplos e disputados significados – é inversamente proporcional às peripécias da “polititica” à qual vêm se dedicando com afinco ao menos desde 2015.
Estamos a caminho de uma ditadura? Creio que não, embora com um governo propenso a qualquer coisa desde que combine repressão social com Entreguismo colonizado. A ditadura militar tinha um projeto de país distinto ao de Bolsonaro, Guedes, Olavo e companhia? Evidente que sim.
Ou seja, a “papagaiada dos periquitos” de alta patente seria reprovada até por Golbery do Couto e Silva e pelo seu rival Carlos Meira Mattos. Se é patético o discurso olavista, é ainda mais absurda a posição de pessoal treinado pelo Estado e que domina como ninguém as correlações de apadrinhamento, “coxada e peixaria”. O pior é que não é exceção, e sim a regra na interna das instituições militares ou coercitivas. Levar essa cultura para o centro do Poder Executivo, caminhando lado a lado dos Chicago Boys liderados por Paulo Guedes é muito perigoso.
Qual projeto de país os colonizados querem? Vejam o Chile herdado por Pinochet, multiplicado pelo gigantismo do Brasil e veremos o que a extrema direita hoje no Planalto projeta para a sociedade brasileira.
A inconsequência que é “gigante pela própria natureza” da estupidez
Observando o comportamento do ministro do GSI como a primeira linha verborrágica e de difusão ideológica da formação da extrema direita brasileira a conclusão é tétrica. Não adianta esperarmos arroubos de genialidade e tampouco reclamar da ausência sequer de patriotismo. Esta geração não tem nada disso, é uma mescla do pior do pior dos anos ’50 como a “Cruzada Anticomunista” do almirante Penna Botto, as estripulias dos seguidores do “brigadeiro” Eduardo Gomes (aquele que seria “bonito e solteiro”) e as manobras cruéis de Mourão, não o Hamilton, mas o Olympio ex-chefe de inteligência integralista. Haroldo Veloso e João Paulo Burnier sorriem no inferno, com o aval de JK, o bunda-mole que não puniu nenhum dos dois apoiou o golpe de ’64 e terminou de forma mais que suspeita com “problemas no freio” de seu carro. Triste e previsível para quem “dá asas às cobras” (ver comício em https://www.youtube.com/watch?v=aGAJrcjWrdM), parafraseando a impagável deputada estadual e jurista do golpe com apelido de impeachment, Janaina Conceição Paschoal (PSL-SP).
Como o “pensamento” geopolítico ainda é rasteiro (estando anos luz atrasado em relação à própria área), a capacidade de derivar em “teses racistas de crítica à miscelânea cultural” e outras aberrações é enorme. Ou seja: a chance de surgir uma geração de oficiais nacionalistas neste exato momento é muito difícil, em especial se observarmos que se estes existissem seriam minimamente antiimperialistas – rechaçando a desindustrialização brasileira, a transnacionalização de setores estratégicos e as teses americanófilas.
Quem conhece os processos do Continente sabe que de 9 entre 10 ocasiões ocorre o seguinte: – o populismo quase sempre rói a corda, assim como os reformistas, mesmo que com gestos individuais louváveis (como a resistência de Allende em La Moneda no 11 de setembro latino-americano e o suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954); – a outra certeza é de que nenhuma força armada reacionária é antiimperialista e para a turma de pijama recém engomado, uma disputa realista regional é o melhor dos mundos.
Eis o porquê da fascinação dos “irmãozinhos” com a Venezuela chavista sem Chávez (no caso, um populismo reeditado que não roeu a corda embora não seja isento de críticas) e mais recentemente a prevenção contra a França Amazônica do neoliberal Macron. O consenso é uma agenda de tipo linha chilena, e o outro consenso é tomar medidas prontas de segurança interna caso o protesto social chileno se torne brasileiro.
Fora isso, qualquer “expectativa” vinda da caserna é em vão. Realmente gostaria de estar errado, de ter uma “perspectiva razoável” de senso de profissionalismo com defesa dos interesses do Brasil, mas realisticamente está longe disso.
O Entreguismo atual supera qualquer previsão, estando à altura de uma radicalização do primeiro governo golpista, o de Humberto de Alencar Castello Branco, “eleito” por Lincoln Gordon e Vernon Walters. Nem o desastroso governo Figueiredo cedeu tanto para os gringos, embora tenha sido “governado” pela encarregada do FMI para o Brasil.
Este que escreve sempre repetiu como ladainha de Canudos o princípio que “não dá para confiar no exército escravocrata de Caxias para defender Palmares e Pindorama”. Só não pensei que num período tão rápido o Desgoverno Bolsonaro-Guedes fosse absolutizar o exemplo.
Ontem como hoje valem duas máximas de oficiais militares brancos, mas comprometidos com a independência da América Latina.
Simón Bolívar praguejava “maldito seja o soldado que apontar armas contra seu próprio povo!”. Já o platense-pampeano José Gervasio Artigas entendia “que nada podemos contar a não ser com nós mesmos”. Não por acaso Bolívar acabou no isolamento e antes no desterro e Artigas exilado, sendo que este último sofreu a traição final de um de seus capitães-tenentes, Fructuoso Rivera (branco e castelhano), que passou para o lado dos invasores luso-brasileiros e em 11 de abril de 1831 promoveu o Massacre de Salsipuedes, contra a vanguarda da cavalaria charrua numa emboscada traiçoeira na saída de uma coxilha. As tropas afro-uruguaias e dos povos originários pelearam ombro a ombro pela Liga Federal até o derradeiro exílio para Assunção em setembro de 1820. Que a lição seja aprendida. No caso brasileiro não é nada diferente: Rui Moreira Lima, Carlos Lamarca, Cândido Aragão e Onofre Pinto são exceções e não a regra.
Apontando conclusões e não disfarçando as dúvidas concretas
Sinceramente não sei qual o efeito nos próximos dez anos da pregação de Jair Bolsonaro e Augusto Heleno, precedidas pelas falas absurdas de Hamilton Mourão em lojas maçônicas e chantagens no Twitter de Villas-Bôas. A julgar pelos cinco anos já passados, é de se esperar um isolamento reacionário da caserna. Se não bastassem os exemplos brasileiros, vejam o papel nefasto de Guido Manini Ríos, ex-comandante em chefe do Exército uruguaio e pertencente a uma geração promovida em seus altos mandos por ex-tupamaros governando como frenteamplistas encantados com a caserna, como Eleutério Fernández Huidobro e o próprio José Mujica.
A cada ilusão mais distantes estaremos de nossas segundas e derradeiras independências na América Indo-Afro-Latina. No Brasil, a baderna militar é sem precedentes desde a Abertura Lenta, Gradual e Restrita. Estamos diante do imponderável com os galinhas verdes do século XXI tentando surfar nas ondas das cloacas de esgoto, simulando uma morey boogie nas tampas de bueiros que a própria extrema-direita escancarou.
Bruno Lima Rocha ([email protected]) é pós-doutorando em economia política, doutor e mestre em ciência política, professor universitário nos cursos de relações internacionais, jornalismo e direito.