O exemplo de Sobral: o Estado tem que subordinar a PM
.Por José Dirceu.
Meu tema desta semana seria Frente Democrática, Ampla e de Esquerda, mas a greve dos petroleiros e o motim – que é crime e assim deve ser encarado e punido – generalizado da Polícia Militar do Ceará se tornaram questões relevantes da ordem do dia.
A gravidade constitucional dos acontecimentos na cidade de Sobral, no Ceará, não pode ser desconsiderada ou apagada pela ação imediata, legal e necessária do senador Cid Gomes, uma vez que os amotinados desobedeciam ordens e decisões dos três Poderes do Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário.
Com o uso da força, das armas, encapuzados tomaram de assalto uma unidade militar e impunham, tal como as milícias e o tráfico, o fechamento do comércio. E aterrorizavam a população desarmada e pacífica a quem a eles, como impõem a lei, cabia a missão sagrada de defender e proteger.
Não fosse a ação do senador e ex-governador Cid Gomes, o governo federal e o ministro da Justiça, sem esquecer o falante chefe do GSI, nada teriam feito. Esses são os fatos, o restante é propaganda e luta política.
Sinal aos golpistas
Condenar a ação de Cid Gomes, que propôs simplesmente que eles obedecessem à ordem judicial e pacificamente se retirassem e deixassem de, com apoio de milícias encapuzadas, ameaçar e aterrorizar o povo, chantageando os poderes constituídos, é dar sinal aos golpistas, às milícias e ao crime organizado que toleraremos a violação da lei e da Constituição.
E que assistiremos impassíveis e coniventes, em nome não sei do que, para além dos interesses de uma minoria que vive da exploração do povo trabalhador, ao retorno de uma ditadura, não interessa sua natureza ou forma.
Se compararmos esse fato gravíssimo com a greve dos petroleiros, veremos a realidade nua e crua de nosso país. Uma greve legal, apoiada em decisões de convenções e acordos coletivos, violados e rompidos unilateralmente pela direção da Petrobras, com demissões em massa e fechamentos de fábricas, apoiadas de forma inédita pelo TST, em tempo recorde, com decisões sumárias e políticas, com o único objetivo de sufocar e reprimir, via Justiça do Trabalho, um direito liquido, certo e sagrado do trabalhador, pelo qual lutamos décadas para restituir: o direito de greve.
Pano de fundo
Tanto isso é fato que a Federação dos Petroleiros e os grevistas suspenderam a paralisação assim que obtiveram na Justiça a suspensão das demissões em massa. O pano de fundo dos acontecimentos de Sobral e da greve corajosa e mais do que justa dos petroleiros é como nos comportaremos, os cidadãos, frente ao poder militar e judicial quando estes perdem sua legitimidade pelo uso da força ou da lei para violar os direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição.
Ou seja, a subordinação absoluta do poder militar ao civil e à lei, e o poder judicial a serviço da lei, e não do poder econômico ou do governo de plantão.
Há tempos assistimos ao poder militar se sobrepor ao civil e o poder judiciário servir a governos e elites econômicas. No caso das Políticas Militares, elas são hoje uma instituição sem controle estatal, militarizada, com corregedorias de faz de conta, governadores ou coniventes ou, mais grave ainda, a maioria reféns, sem falar nos incentivadores de sua ação criminosa e fora da lei, como Doria e Witzel, respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Se no passado já fugiam ao controle do aparato do Estado, as polícias militares sentiram-se ainda com mais poder e acima das leis estimuladas pelo presidente da República e pelo ministro da Justiça, que buscaram legalizar – isso mesmo – a pena de morte aplicada na prática por facções das PMs, a famosa exclusão de ilicitude e outras barbaridades, sem esquecer o envolvimento de oficiais superiores das PMs com o crime organizado e as milícias.
A gravidade do status hoje das PMs exige de nós ir além da denúncia e da cobrança ao poder Judiciário para que detenha essa escalada de violações à Constituição e às leis. Exige uma ação de luta e combate, a exemplo de Cid Gomes e dos petroleiros, para, no futuro, reformar radicalmente essas instituições. (Do GGN)
Dialogando com meu companheiro de partido, José Dirceu, a questão central não acho que a atitude que tomou o Senador Cid Gomes, em minha opinião irresponsável, o que mereceria uma discussão. Mas aqui considero que a questão central é qual a atitude que o governador Camilo Santana do PT tomou.
Nesse sentido, para contribuir na discussão, copio a Nota do agrupamento petista Diálogo e Ação Petista do Ceará a qual me associo..
*NOTA DO DAP-CE AOS PETISTAS*
Companheiros e companheiras do PT,
Durante esta semana fomos informados, através da imprensa, da requisição do Governador do Ceará da Força Nacional para suprir a ausência de efetivos provocada pela paralisação de parte da força policial do Estado. Ato contínuo, os homens da Força Nacional desembarcaram em Fortaleza.
Uma ação compreensível frente a gravidade da situação da segurança pública no estado, com os motins organizados por forças políticas abertamente bolsonaristas.
Na esteira destes acontecimentos, contudo, se deu um fato de extrema gravidade: no dia 21 de fevereiro, Bolsonaro, a pedido do Governador Camilo Santana, decretou para o Ceará a *GLO (Garantia da Lei e da Ordem)*.
A GLO, posta em prática antes no RJ e no AM, durante o governo Temer, é um tipo de intervenção das forças armadas sobre o estado, diferenciando-se, portanto, da requisição da Força Naciona pois a GLO, ao contrário, interdita a autoridade estadual e a transfere para o ente militar federal. No quadro de um governo da extrema-direita, como o de Bolsonaro, o fato se reveste de enorme gravidade.
Assim, o Governador do PT cai na armadilha de reforçar a linha do Governo Bolsonaro de impor a militarização de tudo, transferindo aos generais desde a reposição de pessoal do INSS até, no caso, a se ocupar da Segurança Pública. Bolsonaro encontra no pedido de Camilo de decretação da GLO, pela qual o Governador agradeceu pessoalmente no seu perfil no Facebook, o aval de um governo do PT para sua ofensiva de militarização do país. Com que argumentos nosso partido vai se opor à militarização de tudo que Bolsonaro tenta impor?
Não é secundário que, apesar de decretar a GLO, Bolsonaro em momento nenhum condenou o motim de extrema-direira da PM. Nem poderia, já que são seus partidários que provocaram a crise. Seus filhos, por outro lado, têm manifestado apoio aberto ao motim. Aliás, não é de se surpreender que o Senador Major Olímpio (bolsonarista-SP), injustificadamente presente no Ceará, ao lado de outros parlamentares bolsonaristas, nestes últimos dias, tenha deixado claro que as Forças Armadas não vêm ao Ceará para desajolar policiais amotinados (Jornal O Povo, 21/02/2020), mas para “garantir a Lei e a Ordem”.
Chama a atenção que nestes mesmos dias tenha voltado a tramitar o projeto de lei que introduz o chamado excludente de ilicitude, que na prática dá licença para matar às forças de segurança.
Trata-se de uma pavimentação do caminho para a militarização e atende a uma necessidade política do governo Bolsonaro. A medida surge na sequência lógica do motim da tropa policial abertamente movida pelo Bolsonarismo que, assim, passa a mover todas as pedras do tabuleiro: provoca a crise e surge depois com a “solução” na forma da militarização por meio da GLO. “Solução” que o pedido do Governador a Bolsonaro acabou por legitimar.
A solução para a crise não virá de Bolsonaro e dos generais, ainda menos de um decreto que significa intervenção federal no estado por meio do Exército. É o governo Estadual que tem de enfrentar a situação, encabeçando uma ação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e da sociedade com o fim de isolar e rechaçar os bandos bolsonaristas e negociar a pauta legítima dos policiais.
Essa é a necessidade do povo trabalhador, abandonado às facções criminosas (do dia 19 ao dia 21/2, o Ceará registrou mais de 1 homicídio por hora) e, agora, aos bandos bolsonaristas que tocam o terror nos bairros populares, dando toque de recolher, fechado comércio, escolas e postos de saúde.
O PT, e as forças populares em geral, ainda mais onde governa, precisa tomar uma posição própria e independente em face da ameaça trazida pela decretação da GLO. O vazio neste terreno agrava a situação pois tampouco o voluntarismo midiático dos Ferreira Gomes representa uma saída.
Reafirmamos, diante disso, que foi um grave erro do Governador a solicitação da GLO de Bolsonaro e dos generais.
A partir daí, se trata de, em regime de urgência, discutir as medidas que o movimento dos trabalhadores deve levantar para que se ache um caminho conforme e os interesses populares e para derrotar o Bolsonarismo.
Neste sentido, os membros do DAP que ocupam cargos de direção no PT estão requerendo a realização de reuniões urgentes da Direção Estadual do partido que encaminhe ações junto às organizações populares tendo em vista uma solução da crise que favoreça os trabalhadores.
COORDENAÇÃO DO DIÁLOGO E AÇÃO PETISTA – DAP (CE)
21 de fevereiro de 2020