.Por Natália Viana.
Na madrugada de 12 de fevereiro de 2015, véspera do carnaval, cinco amigos voltavam de um bar para casa, no Complexo da Maré, quando o carro em que estavam foi atingido por seis disparos de fuzil de calibre 7,62. Eles estavam desarmados. Todos foram atingidos por estilhaços dos projéteis. Vitor Santiago Borges, então com 29 anos, recebeu dois tiros; como consequência, ficou paraplégico e teve que amputar a perna esquerda.
O Soldado Diego Neitzke admitiu a autoria dos tiros, e afirmou que os moradores do Complexo não pararam em um checkpoint nem obedeceram aos sinais de alerta dos militares.
Outros colegas do soldado corroboraram essa versão e chegaram, inclusive, a levar o motorista detido por “desacato”. Adriano Bezerra foi preso em Bangu por um dia e respondeu por crime militar até março do ano passado, quando o crime expirou.
As vítimas afirmaram que os soldados os xingaram e agrediram naquela noite.
Mas as alegações finais da acusação no processo criminal contra o soldado Diego, obtidas pela Agência Pública, não mencionam nada disso.
Apesar de reconhecer a “brutalidade do episódio”, o promotor Otávio Bravo diz que o militar agiu com a “percepção equivocada” de que estava amparado por exclusão de ilicitude. E pede que o soldado seja absolvido da acusação de lesão corporal de natureza gravíssima.
“O que se observa, nos presentes autos, é uma evidente situação de legítima defesa putativa (imaginária), na qual o militar envolvido na operação que resultou nos gravíssimos ferimentos nas vítimas supunha estar disparando contra um veículo de criminosos que estariam na iminência de entrar em confronto com os componentes da patrulha da qual fazia parte”, escreveu o promotor.
O documento aponta para o conflito nas versões narradas: enquanto os soldados que patrulhavam a Maré naquela madrugada mantêm a versão uníssona de que estabeleceram um checkpoint e chegaram a mandar o motorista parar o veículo, todas as vítimas afirmam o contrário.
“Não tinha checkpoint, não tinha soldado, não tinha cone, não tinha absolutamente nada”, relatou Vitor Santiago.
Os militares do Exército afirmaram ainda que deram tiros de advertência, com balas de borracha, que o carro vinha em alta velocidade e com as janelas fechadas. As vítimas negam.
Segundo o depoimento dos soldados, eles haviam sido alvo de tiros de criminosos naquela madrugada. Mas não há nenhuma evidência material desse tiroteio.
Para o MPM, “não faz sentido” pensar que os amigos furariam um bloqueio militar, uma vez que já tinham parado em um checkpoint minutos antes, na entrada da favela.
Por outro lado, embora seja razoável exigir da tropa militar “maior cautela” no engajamento “na produção de disparos numa via pública” caso estivessem em um “ambiente favorável”, o documento ressalva que “não se ignora a situação crítica de violência e o permanente estado de confronto de algumas regiões do Rio de Janeiro”.
Por atuarem nas ruas em situação de risco e tensão, o MPM argumenta que a avaliação da conduta militar “não pode estar submetida a ‘padrões irreais’ e ‘parâmetros cartesianos”.
Como conclusão, a acusação alega que o soldado cometeu um “erro de fato plenamente escusável pelas circunstâncias”.
A mesma justificativa levou à absolvição dos soldados que mataram Matheus Martins da Silva, um menino de 17 anos, durante a Operação Capixaba, que ocorreu no Espírito Santo no início de 2017, segundo revelou a Agência Pública.
O MPM defendeu ainda que as vítimas recebam compensação na área cível “pelos ferimentos que experimentaram em razão do erro praticado pelos integrantes das Forças Armadas”.
As demais acusações em relação aos ferimentos aos ocupantes do carro, de lesão corporal leve privilegiada, acabaram prescrevendo por causa da demora no andamento do processo.