Em 5 de outubro de 1988, os brasileiros passavam a ter uma nova Constituição, com novos direitos civis restaurados após a ditadura instaurada em 1964. A Constituição foi promulgada depois de cerca de um ano e meio de discussões sobre o texto na Assembleia Constituinte.
Em seu famoso discurso, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães (MDB), mostrou toda a indignação com o autoritarismo de setores militares e da sociedade civil.
O discurso e a figura de Guimarães precisam de certa forma serem recuperados para entender o atual momento político. Um momento político em que o discurso patriótico é o discurso que busca violar a Constituição, justamente o inverso dos ensinamentos e dos preceitos democráticos.
Veja alguns trechos:
“Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. (Muito bem! Palmas prolongadas.) Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina. (Palmas.)
“Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!”
“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. (Palmas.) Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. (Muito bem! Palmas.) Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. (Muito bem! Palmas.)
“O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou”. (Palmas.)
“A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”. (Muito bem! Palmas prolongadas.)
“Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador”
“Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria”
Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiros, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar. Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio. (Palmas.)
“O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria. (Palmas.)
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