O petróleo nas praias nordestinas: entre especulações e a prevaricação federal
.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.
Prevaricar é um tipo penal, um crime contra a administração pública, ocorre quando o agente público deixa de fazer algo que constitui a sua obrigação legal. Antes de discutir responsabilidades com relação a quem lançou o petróleo nas prais nordestinas, é inequívoco que o Governo Federal se omitiu da sua responsabilidade primária, que consiste em proteger o litoral e despoluir as praias. Só começou a agir quando o crime atingiu uma situação incontrolável, com danos irreparáveis, portanto, os responsáveis pelas políticas de controle ambiental cometeram prevaricação.
Quanto à origem do petróleo, é o reino da especulação. Chama atenção a imensa dificuldade para obter uma informação simples sobre os vazamentos exatamente na época em que o Brasil caminha para entregar à iniciativa privada uma das suas maiores reservas de futuro: o Pré-sal. Sem avançar na discussão sobre o mérito estratégico, a correlação entre os fatos é cristalina para qualquer observador sensato. Descobrir a origem de petróleo nunca foi uma tarefa difícil, basta um comparativo nas bases de dados com relação à sua composição e informações precisas, semelhante ao DNA, vão aparecer. Isto não ocorreu no caso das praias do Nordeste, por quê? Para criar uma cortina de fumaça com boatos?
Dois boatos ganharam espaço. O primeiro, sustentado por setores da imprensa com interesse na venda dos ativos minerárias afirma que a origem poderia ser o comércio clandestino de petróleo venezuelano por navios “fantasmas”, não identificados, para fugir das barreiras do bloqueio norte-americano.
O tamanho do dano e o volume de petróleo que chega às praias é tão grande que desmonta esta tese. Apenas um navio clandestino, independente da origem, não causaria tamanho dano, que chega a ameaçar refúgios onde ocorre a reprodução de espécies ameaçadas. Logo, tal alternativa é uma evidente especulação.
A segunda tese, também frágil, indica que o material seria lançado por grande empresa norte-americana, inclusive foi identificado um barril no mês setembro poluindo praia de Sergipe. A tentação de aderir a esta especulação é grande, mas também não parece consistente. Ainda existiria uma terceira especulação, na qual o petróleo sairia direto da Venezuela para o Brasil, mas de tão ridícula não merece ser levada em consideração.
Agora vamos aos dados precisos: até agora, mais de 167 praias e 72 municípios foram afetados, mais de 200 toneladas de material recolhido da praia (um navio petroleiro transporta em trono de 180 toneladas) e, mesmo depois de 24 horas sem identificação de novos lançamentos, o petróleo reapareceu em volume considerável em Alagoas e na Bahia.
Os primeiros casos foram observados em Pernambuco, nas proximidades da obra paralisada da Refinaria Abreu e Lima e especialistas ouvidos pela estatal de comunicação Alemã Deutsch-Welle, alertam que a origem do petróleo, pela dispersão, deve estar localizada em área a 50 Km da costa brasileira, onde existe grande circulação de navios.
Outra informação importante é a de que não existe estimativa sobre o volume de petróleo ainda no oceano e que há perspectiva de continuidade da dispersão. A Petrobrás afirma que não possui vínculo com o material lançado na praia, mas nada afasta que outra empresa que atue na bacia possa ter responsabilidade. Nenhum laudo foi publicado ou apresentado à imprensa.
Mas retomando o debate inicial, afastado o mistério e as especulações, tal problema poderia ser facilmente enfrentado se a política ambiental no Brasil não estivesse sendo desmantelada, se os órgãos de fiscalização tivessem autonomia, se existisse transparência, se a Lei de acesso à informação não tivesse sido violada e o país não estivesse à venda.
Infelizmente, com o desmonte dos sistemas públicos de controle e com as privatizações do patrimônio natural, a lógica de sigilo comercial pode resultar em crimes ambientais ainda maiores. Curiosamente, a última onda de grandes crimes ambientais com petróleo no Brasil ocorreu na virada das décadas de 1990 e 2000, quando também existiam projetos de privatização da Petrobras.
Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e doutor em Ciências Sociais