O decreto da Lei Orgânica 8.080, que regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS), completou 29 anos nesta quinta-feira (19). Passadas três décadas, especialistas em saúde alertam que o conceito de universalidade do SUS corre risco.
Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto explica que as políticas de austeridade, implementadas pelo governo federal nos últimos anos, contribuíram para a precarização da Lei 8.080.
“Hoje o desmonte dos direitos sociais e o ataque à democracia acentuam os retrocessos da aplicação desta lei. Os princípios do SUS, como a universalidade e o financiamento, estão sendo fortemente atacados”, enfatiza.
Pigatto destaca a Emenda Constitucional 95, decretada em 2016, em meio ao governo golpista de Michel Temer (MDB), como a mais prejudicial para o SUS. “A gente sabe que, depois da vigência da Emenda Constitucional 95, o que era subfinanciamento do SUS passou e vem passando por um processo de desfinanciamento”, afirma.
A medida congela os gastos na área da saúde por 20 anos, e já tem deixado marcas. Apenas nos dois primeiros anos de vigência da emenda (2018/2019), cerca de 10 bilhões de reais foram retirados da saúde pública.
O que se perde
Em meio ao desfinanciamento, a população é quem mais sofre. Os mais atingidos são as mulheres, os negros e as pessoas com ensino médio incompleto, que são os principais usuários dos serviços de atenção primária à saúde do SUS, segundo artigo publicado na Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) em 2017.
Ex-deputado estadual em São Paulo, Carlos Neder participou das mobilizações pela implementação do SUS na década de 1970. Frente ao cenário atual, o também médico avalia que os direitos sociais conquistados pela população podem estar ameaçada caso não tenham raízes sólidas na sociedade.
Apesar dos problemas, Neder lembra que, nos anos que seguiram à criação do SUS, o sistema se tornou uma referência internacional e transformou a realidade da saúde pública brasileira.
“Isso mostra que a luta valeu a pena, que o resultado foi alcançado, mas que isso não dá garantia de que retrocessos não aconteçam”, reflete Neder.
“Seja em decorrência do processo eleitoral, em que candidaturas de direita, conservadoras, ou que não defendem um sistema universal são eleitas; seja porque não é suficiente colocar em prática uma mudança sem garantir as condições de sustentação na sociedade”, completa.
A importância do SUS se reflete também nos números. Entre 1988 e 2016, por exemplo, a expectativa de vida no país passou de 69,7 para 75,8 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o alcance da Estratégia de Saúde da Família, um dos principais programas do SUS, passou de 4% da população em 1998 para 62% em 2019, segundo artigo da revista científica The Lancet. (Mayara Paixão – Brasil de Fato)