A história que a história não conta
.Por Denise Argemi.
É do conhecimento de todos que vivemos em um sistema social fundado no patriarcado.
Mas afinal, o que é patriarcado? Em poucas palavras patriarcado é um conjunto de relações sociais que tem como substrato uma relação hierárquica e solidária entre os homens que lhes possibilita exercitar o controle integral sobre as mulheres e seus corpos, como se fossem objetos e propriedade deles. Patriarcado, portanto, é um sistema estruturante, masculino, branco e heterossexual de opressão das mulheres.
Dito isso, sabe-se que na história muitas mulheres foram preteridas por seus pais, irmãos, maridos, companheiros ou parceiros, porque para esse sistema estruturado no patriarcado a mulher tem de estar sob o jugo do homem, porque um “ser inferior”.
Pregavam eles, os homens desde a época do Senhor, que a mulher existe somente para procriar e é destinada a viver toda a sua existência no interior dos muros domésticos, com interesses bem definidos e limitados estritamente ao mundo privado. A mulher teria pouca inteligência e seria totalmente desprovida de qualquer talento para a vida pública: para as letras, para os números, para a ciência, para as artes e para a política.
Dessa forma, nada mais interessante que conceder a ela uma compensação social que não lhe retirasse totalmente a dignidade. Poderia ir à escola. Algumas até a universidade, desde que não se sobressaíssem em demasia e tivessem sempre cura da prole, do marido e da casa em primeiro lugar. Daí viria o ditado: atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher.
Por outro lado, também é notório que essa “inferioridade da mulher” perpetrada durante séculos e bem aceita por ambos os sexos, até bem pouco tempo, é apenas um condicionamento imposto por este sistema estruturante para manter a sua supremacia intocada.
Nesse sentido estão pululando “histórias” que a história universal não contou e não quer contar, porque representariam uma ameaça a esta supremacia instalada e consolidada há inúmeras gerações. E que, caso contadas, viriam a desestabilizar o “status quo” de quem da “história” se beneficia, sempre os mesmos “tipos de humanos”.
Porém, algumas pessoas, notadamente as mulheres, que, parafraseando o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, são “otimistas trágicas”, insistem em trazer à tona algumas “estórias” para que passem a integrar a “história”. O que nos faz refletir detidamente sobre: realidade, gênero, raça, cor, inteligência, crenças e comportamento aprendido.
Alguns questionamentos começam a emergir: quem sempre determinou como homens e mulheres deveriam se comportar? Quais são os papéis a ser desempenhados por cada um na sociedade? Quem sempre ditou as regras sobre o que deveria ser ensinado nas escolas, nas universidades e de que forma? Quem sempre ordenou quem deve estar adstrito à vida pública e à privada?
Há tempo, muito mais do que gostaríamos, a nossa sociedade tem mantido seus alicerces sobre um estímulo incondicionado e imposto, que é a superioridade. A superioridade do homem, branco e heterossexual. Este estímulo incondicionado e por decreto tácito inquestionável, sempre pretendeu produzir um reflexo condicionado nas mulheres, nos negros e nas pessoas LGBT, o da inferioridade.
No entanto, este reflexo não mais é aceito como verdade absoluta. Aliás, está ocorrendo justamente o contrário. As pessoas perceberam que não há supremacia ou ao menos não deveria haver, qualquer tipo de hierarquia entre seres humanos em razão de qualquer diferença intrínseca ou extrínseca. E se existe é porque um grupo a impõe aos demais, se auto proclamando “humano” e relegando o “diverso de si” ao “não humano” ao “não ser”.
Esse panorama foi se descortinando pouco a pouco nos últimos anos. E graças a alguns milhares de pessoas que por todo o planeta ousaram duvidar dessa ordem instalada pelos “superiores” desde sempre e das estratégias por eles adotadas, fundadas na posse de outro ser humano, na manipulação dos fatos e crenças religiosas, na instauração premeditada do caos e do medo, na violência física e psicológica, na intolerância e no ódio que também estão se tornando estruturais, chegamos ao estágio atual.
Entretanto, o que muitos não esperavam é que sobreviesse uma indiscutível certeza: que todos os seres humanos são iguais.
E se são iguais, o são enquanto pessoas únicas dotadas de valores, de princípios, de anseios e de vontade própria. Cada qual com a própria humanidade, autonomia, determinação e direitos, individuais e sociais, independentemente do gênero, raça, cor, etnia e sexualidade. Embora a “história” que sempre nos contaram diga o contrário.
O filme Radioactive Teaser, que conta a vida da cientista polonesa Marie Curie, ganhadora por 2 vezes do Prêmio Nobel, é apenas um dos tantos exemplos da inexistência de supremacia de qualquer humano sobre o outro, inclusive baseado no gênero.
Marie era casada com Pierre Curie, ele também cientista além de professor na Sorbonne.
Reza a lenda que certa feita, perguntaram a Marie Curie: como é conviver com um gênio?
E ela respondeu: não sei, pergunte a meu marido.
Denise Argemi é advogada e Especialista em Direito Internacional Público, Privado e da Integração.
Excelente texto, muito boa contribuição à conscientização das mulheres. O que me inquieta – e sempre me pergunto – é o como levar essas idéias tão acadêmicas a mulheres que não têm alcance teórico. Este é o nosso trabalho de lutadoras pela autodeterminação da mulher. Um abraço da Mariluz