Em São Paulo – Entre os dias 17 de agosto e 15 de novembro, o MAM (Museu de Arte Moderna), de São Paulo realizará a nova edição do Panorama da Arte Brasileira. “Sertão” é o título e o conceito proposto pela curadora Júlia Rebouças para articular o 36º Panorama, do qual participarão 29 artistas e coletivos, e que tem assistência curatorial de Maria Catarina Duncan.
Após um extenso processo de pesquisa e viagens por diversas regiões do Brasil, incluindo cidades como Cachoeira (BA), Recife (PE), Brasília (DF), Florianópolis (SC), São Paulo e a região do Cariri cearense, a curadora convidou artistas que se relacionam com o conceito, entendendo a própria arte como “sertão” – em sua instância de experimentação e resistência –, contestando, portanto, o viés restritivamente geográfico facilmente associado à palavra. Sertão é apresentado nesta exposição como um modo de pensar e de agir, que tem a criação artística como um de seus importantes aspectos definidores.
“Não há empreendimento, monumento ou manifestação que consiga simbolizar inteiramente sertão. Há sempre uma condição-sertão que funda outra existência e que não se deixa confinar. Se o imaginário de um certo senso comum trata sertão como vazio, aridez, aspereza ou indigência, a ele confrontam-se as acepções de vitalidade, força, resistência, experimentação e criação, gestadas a partir de uma ordem de saberes e práticas que desafia o projeto colonial em suas reiteradas tentativas de submissão. De forma alusiva, sertão refere-se a um só tempo à arte e ao estado da arte”, explica Júlia.
A necessidade de reelaborar a história brasileira, uma repactuação social, espiritualidade, identidade de gênero, lutas antirracistas e a relação com o meio ambiente são algumas das questões que aparecem nas instalações, fotografias, pinturas, vídeos, esculturas e projetos deste Panorama. Os artistas selecionados estão em início ou meio de carreira, com produções que apontam para territórios especulativos que dão sentido à ideia de sertão, além de artistas com trajetórias mais extensas, que apresentam obras que merecem ser revisitadas à luz dos debates propostos.
36º Panorama da Arte Brasileira: Sertão
Estratégias de criação não hegemônicas e novas tecnologias sociais aparecem em diversos trabalhos que serão encontrados na exposição. Ana Lira é um exemplo, com sua produção de fotografias e publicações que tratam de processos de construção coletiva. No projeto que desenvolve para Sertão, acompanha o trabalho de agricultores e agricultoras experimentadores do semiárido nordestino. Raquel Versieux, artista e professora radicada no Crato (CE), propõe encontros de saberes tradicionais em dinâmicas realizadas na região do Cariri. Maxim Malhado, artista baiano, apresenta esculturas que se relacionam com tecnologias de construção popular. Gabi Bresola e Mariana Berta discutem as possibilidades de relacionar o campo da arte com outras atividades humanas e matrizes de conhecimento, como a agricultura.
Ana Vaz, em sua filmografia, questiona territórios e geografias a partir do encontro entre ficção e história. Para Sertão, Mabe Bethônico, que costumeiramente trabalha com arquivos e documentos históricos, propõe um debate sobre as cercas como conceito e estrutura político-culturais. O Coletivo Fulni-ô do Cinema fala da luta constante pela resistência do povo fulni–ô em seu território de origem, no semiárido pernambucano. Santídio Pereira, por meio de xilogravuras de grande dimensão, retrata espécies nativas da caatinga, recriando imaginários.
A vertigem da vida contemporânea aparece nas pinturas e instalações de Regina Parra, enquanto o artista Daniel Albuquerque recorre a obras tridimensionais para se referir ao corpo humano e seus rituais de prazer e de intimidade. Paul Setúbal reflete sobre a arqueologia da violência, tensionando a relação de objetos de poder com o corpo. O artista Raphael Escobar, que desde 2009 atua com educação não formal em contextos de vulnerabilidade social, como a Fundação Casa, Projeto Quixote e a organização Craco Resiste, em seu trabalho questiona narrativas que criam apagamento e estigmatização dos grupos atingidos. Já Vânia Medeiros, ao tomar cadernos de desenhos como instrumentos de mediação, convida trabalhadores da construção civil e prostitutas a retratar suas realidades de vida e trabalho, refletindo sobre elas.
A obra de Gê Viana parte de populações segregadas historicamente, como indígenas, mulheres e pessoas LGBT, criando novas escrituras políticas por meio de fotoperformances e colagens. Vulcânica PokaRopa, artista e pesquisadora, constitui um arquivo que debate a invisibilidade de pessoas trans, travestis e não-binárias em espaços institucionais, ao passo em que Rosa Luz, artista travesti que transita entre a música e as artes visuais, trata dos enfrentamentos sociais dos corpos dissidentes. Mariana de Matos faz a poesia encontrar as artes visuais para discutir a necessidade de desestabilizar narrativas hegemônicas, enquanto Randolpho Lamonier especula sobre modos de vida que produzem exclusão e as insurgências cotidianas. Maxwell Alexandre problematiza o conceito de “patrimônio” e chama atenção para práticas experimentais que desafiam circuitos estabelecidos.
Antonio Obá, por sua vez, discute sobre a identidade negra e a violência impetrada pelo racismo estrutural, em pinturas, esculturas e instalações. Dalton Paula acessa a história brasileira para reinscrever narrativas sobre a presença negra e sua cultura, que foram apagadas dos registros oficiais. Ana Pi, coreógrafa, trata em sua obra das memórias da diáspora negra, que são repercutidas em gestos e corpos que dançam. Desali, artista da periferia da cidade de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, apresenta um conjunto de pinturas e fotografias desenvolvidas há mais de dez anos, que retratam seu cotidiano.
Gervane de Paula usa o humor crítico para debater injustiças sociais e ambientais. Lise Lobato, artista paraense, parte da cultura marajoara para falar de civilizações amazônicas, ao passo em que Luciana Magno, também de Belém, discute a capacidade de resiliência da natureza diante das investidas de projetos infraestruturais danosos. O ambiente natural em conflito com projetos de vida global e urbanidade aparece em obras como a de Michel Zózimo, que desenvolve desenhos e esculturas sobre a relação entre cultura e natureza. Os trabalhos de Cristiano Lenhardt também acontecem por meio de diferentes observações do entorno, usando suportes como vídeos, instalações, fotografias, desenhos e gravuras. Por meio de sua prática, o artista incorpora o mistério e diferentes cosmovisões em suas obras.
O Panorama conta ainda com a participação de coletivos como a Rádio Yandê, rádio inteiramente indígena produzida desde 2013, com uma programação que tem como objetivo atuar na informação de populações indígenas, além de contribuir para a formação de não-indígenas. Este é um importante canal também para a difusão da produção musical e cultural contemporânea de diversos povos indígenas, o que inclui uma vasta gama de artistas de hip-hop.
Arquitetura e identidade visual
Para desenvolver a expografia da mostra, Júlia Rebouças convidou o estúdio Risco, que apresentou um projeto que toma como base a ideia de uma paisagem topográfica, em que convivem múltiplas manifestações. Ao invés de segmentar as salas de exposição, em salas ou corredores, os arquitetos Tiago Guimarães, Humberto Pio e Marcelo Dacosta criaram uma estrutura que “brota do chão” e que propõe um uso inteiramente novo para os painéis cenográficos disponíveis no MAM: por meio de sobreposições e empilhamentos horizontais são criados módulos de diferentes alturas, que têm as superfícies externas tomadas pelas obras.
O design do 36º Panorama, por sua vez, está a cargo de Elaine Ramos, que desenvolveu uma identidade visual mutante, a partir da reelaboração de códigos, tipografias e escrituras que evocam “sertão” como um modo de enunciar sempre em transformação.
Artistas participantes:
1- Ana Lira (Caruaru – PE, 1977. Vive no Recife)
2- Ana Pi (Belo Horizonte, 1986. Vive em Paris)
3- Ana Vaz (Brasília, 1986. Vive em Lisboa)
4- Antonio Obá (Ceilândia – DF, 1983. Vive em Brasília)
5- Coletivo Fulni-ô de Cinema (Águas Belas – PE)
6- Cristiano Lenhardt (Itaara – RS, 1974. Vive em São Lourenço da Mata – PE)
7- Dalton Paula (Brasília, 1982. Vive em Goiânia)
8- Daniel Albuquerque (Rio de Janeiro, 1983. Vive no Rio de Janeiro)
9- Desali (Contagem – MG, 1983. Vive em Belo Horizonte)
10- Gabi Bresola & Mariana Berta (Joaçaba – SC, 1992 / Peritiba- SC, 1990. Vivem em Florianópolis)
11- Gê Viana (Santa Luzia – MA, 1986. Vive em São Luís)
12- Gervane de Paula (Cuiabá, 1961. Vive em Cuiabá)
13- Lise Lobato (Belém, 1963. Vive em Belém)
14- Luciana Magno (Belém, 1987. Vive em São Paulo)
15- Mabe Bethônico (Belo Horizonte, 1966. Vive em Genebra e Belo Horizonte)
16- Mariana de Matos (Governador Valadares – MG, 1987. Vive no Recife)
17- Maxim Malhado (Ibicaraí – BA, 1967. Vive em Massarandupió – BA)
18- Maxwell Alexandre (Rio de Janeiro, 1990. Vive no Rio de Janeiro)
19- Michel Zózimo (Santa Maria – RS, 1977. Vive em Porto Alegre)
20- Paul Setúbal (Aparecida de Goiânia – GO, 1987. Vive em São Paulo)
21- Radio Yandê (Rio de Janeiro, 2013)
22- Randolpho Lamonier (Contagem – MG, 1988. Vive em Belo Horizonte)
23- Raphael Escobar (São Paulo, 1987. Vive em São Paulo)
24- Raquel Versieux (Belo Horizonte, 1984. Vive no Crato – CE)
25- Regina Parra (São Paulo, 1984. Vive em São Paulo)
26- Rosa Luz (Gama – DF, 1995. Vive em São Paulo)
27- Santídio Pereira (Curral Comprido – PI, 1996. Vive em São Paulo)
28- Vânia Medeiros (Salvador, 1984. Vive em São Paulo)
29- Vulcanica Pokaropa (Presidente Bernardes – SP, 1993. Vive em Florianópolis)
Mais informações no SITE do MAM. (Carta Campinas com informações de divulgação)