Em São Paulo – De 23 de agosto a 17 de novembro de 2019, ficam em cartaz no MASP (Museu de Arte de São Paulo), duas exposições organizadas em diálogo e contraponto que integram o ciclo de exposições, oficinas, seminários, palestras e publicações do ano de 2019, sob o título de “Histórias das mulheres, Histórias feministas”.
A primeira delas, “Histórias das mulheres: artistas até 1900” apresenta quase cem trabalhos que datam do século 1 ao 19. Como o título indica, não se trata de uma única história, mas de muitas, narradas por meio de obras feitas por mulheres que viveram no norte da África, nas Américas (antes e depois da colonização), na Ásia, na Europa, na Índia e no território do antigo Império Otomano.
Uma das características mais fortes desta mostra é o diálogo que se estabelece entre pinturas e têxteis, escolhidos como um suporte emblemático — afinal, a pintura também é feita sobre tecido. Com 60 pinturas, 2 desenhos e 34 tecidos de diferentes épocas e origens, “Histórias das mulheres” destaca trabalhos para além das categorias tradicionais das belas artes, procurando oferecer perspectivas mais amplas e mais plurais. Embora não se conheça o nome das artistas têxteis, todas as peças expostas foram produzidas por mulheres. Em muitas regiões do mundo antes de 1900, a criação têxtil, feita manualmente, era considerada um trabalho de gênero e visto como o ideal das mulheres — da mesma forma que a pintura de belas artes era típica e idealmente feita por homens. Colocar essas duas formas de trabalho juntas demonstra a persistência do fazer das mulheres ao longo do tempo. Mesmo que os tecidos estejam excluídos das definições de arte, e tenham sido barrados do treinamento nas academias, a exposição mostra que as mulheres sempre fizeram arte.
Algumas artistas tiveram carreiras de grande sucesso. Este é o caso das tecelãs da América pré-colombiana, que desfrutaram de uma posição de prestígio nas sociedades andinas, de Sofonisba Anguissola, que trabalhou para a corte espanhola no século 16, de Mary Beale, cujo marido foi seu assistente de ateliê, no século 17, de Élisabeth Louise Vigée Le Brun que ocupou o cargo de “primeira pintora” da rainha da França, no século 18, e de Abigail de Andrade, que ganhou uma medalha de ouro no Salão de 1884, no Brasil imperial. Apesar disso, as mulheres representam um contingente muito menor que seus colegas homens nos manuais de história da arte, nas narrativas oficiais e nas coleções de museus. O MASP possui em seu acervo apenas duas pinturas de mulheres artistas até 1900: um autorretrato da portuguesa Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre e um panorama da baía de Guanabara, da inglesa Maria Graham, especialmente restaurado para esta exposição.
“É difícil falar de histórias feministas antes do século 19, por isso falamos em histórias das mulheres. Mas olhar para as artistas dessa época, hoje, nos ajuda a estabelecer genealogias feministas. O encontro com essas várias precursoras — nomeadas ou anônimas, famosas e desconhecidas — nos convida, assim, a repensar a história da arte tradicional e suas hierarquias que costumam celebrar a arte como uma atividade de homens brancos e europeus. A singularidade das obras expostas mostram que a arte é muito maior e mais complexa do que se costuma imaginar”, anota a curadoria que é feita por Julia Bryan-Wilson, curadora-adjunta de arte moderna e contemporânea; Lilia Schwarcz, curadora-adjunta de histórias; e Mariana Leme, curadora assistente do MASP.
A segunda exposição, “Histórias feministas: artistas depois de 2000” reúne 30 artistas e coletivos que emergiram no século 21 e que trabalham com base em perspectivas feministas, ampliando um debate que ganhou visibilidade nas artes visuais entre os anos 1960 e 1980, mas que segue cruzando lutas, narrativas e conhecimentos. Abordar as histórias feministas no presente significa ter como ponto de partida um tempo em plena construção e urgência.
Não existe uma definição única do que constituiriam as práticas e as estratégias feministas na arte, mas há o entendimento plural de suas vertentes, considerando as diversas formas de atuação e as especificidades dos contextos em que elas se inserem, por isso, foram chamadas histórias feministas, no plural. A categoria “mulher” também não se conceitua nesta mostra como única e universal, pois é atravessada por diversos marcadores sociais, geográficos e temporais que transformam radicalmente essa experiência. No entanto, é possível afirmar que os feminismos são respostas às precariedades materiais, às violações físicas e psicológicas, aos silenciamentos e às subalternidades vivenciadas por mulheres diversas, ao longo de histórias patriarcais e passados muitas vezes coloniais.
A aproximação entre feminismo e arte é compreendida aqui como uma prática capaz de provocar fricções e diálogos trans-históricos e transnacionais, capaz de revirar e confrontar imaginários, histórias e narrativas apagadas, elaborar corpxs e sujeitxs como ferramentas de luta e transformação política, expor sistemas de poder que perpetuam hierarquias de gênero, raça e classe, e que mantêm tudo o que está relacionado ao “feminino” como sendo menor ou inferior. Apesar de ter como foco a produção de artistas que emergiram no século 21, esta exposição não procura afirmar que as questões do passado estão superadas. No entanto, esta mostra parte do potencial de transformação que existe nos feminismos, não apenas material, mas simbólico, na proposição de outras narrativas e de outras formas de conhecimento, de relação, de poder e de imaginação. A curadoria é de Isabella Rjeille, curadora assistente do MASP.
Como parte do ciclo “Histórias das mulheres, Histórias feministas” estão sendo organizadas mostras de Djanira da Motta e Silva, Lina Bo Bardi, Tarsila do Amaral, Anna Bella Geiger, Leonor Antunes, Gego, Catarina Simão, Jenn Nkiru, Akosua Adoma Owusu, Laura Huertas Millán e Anna Maria Maiolino.
Mais informações no SITE do MASP. (Carta Campinas com informações de divulgação)