O Coletivo de Professores de Vinhedo em Defesa da Educação Pública divulgou uma carta aberta aos educadores da cidade sobre ações ilegais, incluindo perseguições, fascismo e autoritarismo contra uma professora da cidade que cumpriu seu papel como educador.
A carta relembra que “surgiram nos últimos anos movimentos destinados a perseguir professores por todo o Brasil. Passaram a difundir um estigma sobre a atividade crítica realizada nas escolas a respeito de temas como exploração econômica e desigualdade social, respeito e convivência com a diversidade de orientação e identidade sexual, racismo e violência contra a mulher”, o que contraria não só a legislação nacional, como a própria legislação da cidade de Vinhedo.
Segundo a carta, o que está por trás dessas ações é que “quem controla o poder em nosso país não quer que a população pense e entenda melhor todos esses problemas”.
A carta também diz que a censura e a perseguição nas escolas não foi suficiente para alterar as referências legais que respaldam a liberdade de ensinar e aprender e o exercício crítico da educação. Isso porque há um entendimento majoritário na justiça brasileira de que os projetos de censura e perseguição nas escolas são inconstitucionais.
Ainda que não tenha conseguido avanços pela via legal, devido à flagrante ilegalidade desses movimentos, segundo os educadores eles “conseguiram parcialmente seus objetivos de tornarem as escolas menos críticas em relação às desigualdades e violências e menos respeitosas e acolhedoras em relação às diferenças”. Veja a carta:
Carta Aberta aos educadores de Vinhedo e de todo o país
Art. 167. A educação, enquanto direito de todos, é um dever do Poder Público e da sociedade e deve ser baseado nos princípios da democracia, da liberdade de expressão, da solidariedade e do respeito aos direitos humanos, visando constituir-se em instrumento de desenvolvimento da capacidade de elaboração e de reflexão crítica da realidade.
Art. 168. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e concepções pedagógicas;
Art. 216. Compete à Administração Municipal promover políticas preventivas educativas visando à diminuição da violência contra as mulheres e crianças.
Esses são trechos da Lei Orgânica de Vinhedo, legislação municipal que referencia a atuação do Poder Público e seus agentes na cidade. E referências semelhantes também estão presentes na legislações estadual e federal que regem a organização das políticas educacionais.
Vivemos em um momento de crise profunda no Brasil e no mundo. Essa crise se expressa em ampliação da miséria e do sofrimento humano. As saídas do grande poder econômico e dos governos a seu serviço para essa crise apontam para mais desigualdade, cada vez menos direitos, além de intolerância, violência e destruição acelerada da biodiversidade e dos ambientes do planeta. Quem controla o poder em nosso país não quer que a população pense e entenda melhor todos esses problemas.
Por isso surgiram nos últimos anos movimentos destinados a perseguir professores por todo o Brasil. Passaram a difundir um estigma sobre a atividade crítica realizada nas escolas a respeito de temas como exploração econômica e desigualdade social, respeito e convivência com a diversidade de orientação e identidade sexual, racismo e violência contra a mulher.
Felizmente a força desses movimentos que pregam a censura e a perseguição nas escolas não foi suficiente para alterar as referências legais que respaldam a liberdade de ensinar e aprender e o exercício crítico da educação. Há um entendimento majoritário na justiça brasileira de que os projetos de censura e perseguição nas escolas são inconstitucionais. Há diversas instituições chave no cenário nacional e internacional que rechaçam tais iniciativas.
Entretanto, a incapacidade desses movimentos em tornarem as leis que regem as políticas educacionais afeitas à intolerância e a preconceitos, não impediu que eles protagonizassem diversos episódios de violência contra professores criando um clima de medo nas escolas. Dessa forma, ainda que não pela via legal, esses movimentos conseguiram parcialmente seus objetivos de tornarem as escolas menos críticas em relação às desigualdades e violências e menos respeitosas e acolhedoras em relação às diferenças.
As instituições educacionais e seus representantes têm um papel fundamental em favorecer ou evitar que a educação cumpra seu papel de “instrumento de desenvolvimento da capacidade de elaboração e de reflexão crítica da realidade”, para nos remetermos aos termos da legislação de Vinhedo.
Não se omitir diante de agressões cometidas contra professores, grupos de professores ou escolas que realizem trabalhos pedagógicos críticos e cidadãos é uma postura fundamental. Em Vinhedo, nos últimos anos, a Secretaria Municipal de Educação perdeu inúmeras oportunidades de se posicionar publicamente em defesa dos princípios que devem reger a educação: “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e concepções pedagógicas” (conforme indicado na legislação municipal e dos demais entes federativos do país).
Um projeto inconstitucional visando censurar as atividades pedagógicas críticas e constranger os professores foi apresentado por duas vezes na Câmara Municipal, em 2014 e 2017. O caminho escolhido pela Secretaria de Educação foi o de não promover qualquer debate público sobre o projeto. Apesar de ter sido retirado de pauta nas duas ocasiões (por ser certa a inconstitucionalidade do projeto), seus propositores alimentaram a sanha persecutória de grupos que atuam na cidade.
E isso teve consequências. Ocorreram diversas situações em que professores passaram a ser constrangidos e hostilizados por tratarem de temas relacionados à diversidade cultural, violência de gênero e crítica às desigualdades. Essas situações foram tratadas como pontuais pelos gestores educacionais do município. A ausência do debate público e enfrentamento do problema chegou a ser apresentada como uma estratégia para não “atiçar mais” os movimentos que incentivam a censura e a perseguição. Mas a conivência e a covardia acabou por fortalecer a intolerância e a ignorância em relação às funções da escola e incentivar assim mais situações de violência.
No primeiro semestre de 2019 um grupo político com atuação em prol da censura nas escolas e da perseguição de professores decidiu expor publicamente uma professora que tratou do tema da violência contra a mulher em suas aulas.
As agressões contra o trabalho pedagógico e a profissional extrapolaram claramente o âmbito da escola em uma campanha que articulou uma denúncia na Ouvidoria do Município com postagens depreciativas e desrespeitosas nas redes sociais. Essas postagens inclusive reivindicam um projeto Projeto Inconstitucional de Censura e Perseguição nas Escolas, duas vezes apresentado e retirado na Câmara Municipal de Vinhedo. A campanha foi articulada através da depreciação do trabalho sobre violência contra a mulher, tema pedagógico respaldado explicitamente pela Lei Orgânica do Município e pela Lei Maria da Penha.
A Secretaria de Educação não prestou qualquer apoio institucional diante das agressões de que a professora foi alvo e nem teve nenhuma iniciativa de se posicionar e promover um debate público diante do ocorrido.
A escolha da Secretaria de Educação de novamente se omitir aparentemente seguiria o “script” de tentar responsabilizar individualmente a professora pelo ocorrido e abafar o caso. Em um primeiro momento, como podemos ver pela afirmação do Secretário Municipal de Educação em Audiência Pública (ocorrida na Câmara dos Vereadores em 02/05/19) e por falas de representantes da Secretaria na reunião do Conselho Municipal de Educação (em 08/05/19), a omissão não se desdobraria em legitimação do processo de perseguição.
Em junho, no entanto, a posição da Secretaria de Educação passou a ser outra. Ao invés de não levar a frente o processo de perseguição administrativa à professora conforme afirmado em reuniões públicas por representantes da Secretaria, é instaurado um Processo Disciplinar contra a professora. No processo ao qual a professora teve acesso consta um parecer (sem data) da supervisão de ensino do município, chancelado pelo secretário de educação, que recomenda a abertura de processo disciplinar. No parecer da supervisão não há nenhuma menção à legislação educacional que respalda o trabalho docente e nem qualquer uma das inúmeras referências que apontam as inconsistências e ilegalidades do projeto “Escola Sem Partido” que inspira a perseguição à professora.
É muito preocupante que um parecer assinado por uma supervisora de ensino e referendado pelo secretário de educação ao invés de se respaldar nos princípios e objetivos que regem a educação municipal e nacional, se referencie em “acusações de doutrinação” e em postagens de movimentos que defendem censura e perseguição nas escolas. Também é lamentável que o parecer seja pautado em tentativas de depreciar o trabalho pedagógico e a profissional, tratando autonomia docente e escolhas metodológicas como desvios a serem punidos.
Também observamos que no processo disponibilizado inicialmente para a professora não consta o Parecer da própria Secretaria de Negócios Jurídicos da Prefeitura que recomendava o arquivamento do processo. Sabemos da existência desse parecer por ter sido apresentado aos presentes na reunião do Conselho Municipal de Educação em 08 de maio de 2019.
A postura omissa, contraditória e persecutória da Secretaria Municipal de Educação de Vinhedo deve ser repudiada. É importante darmos visibilidade ao ocorrido para que esse lamentável episódio sirva como um contraexemplo em relação a qual deve ser a postura de agentes públicos responsáveis por instituições e políticas educacionais.
Coletivo de Professores de Vinhedo em defesa da educação pública
Agosto de 2019
2 thoughts on “Coletivo de professores de Vinhedo divulga carta sobre ações ilegais e autoritárias contra professora”