De Birnam Wood a Dunsinane Hill; da Amazônia ao Planalto Central
.Por Hugo Cavalcanti Melo Filho.
“Macbeth shall never vanquished be until great Birnam Wood to high Dunsinane Hill shall come against him”.
Nesta semana, um texto atribuído a Tarso de Melo, intitulado “A queda do céu”, no qual o autor comenta, de forma poética, os efeitos das queimadas na Amazônia sentidos pelos moradores da cidade de São Paulo, terminava com uma advertência: “a floresta vem visitar, vem avisar. Vai cair o céu”.
Não pude deixar de associar o aviso ao vaticínio feito por um dos espíritos conjurados pelas bruxas consultadas por Macbeth e que transcrevi em epígrafe: “Macbeth jamais será vencido até que a grande Floresta de Brinam vá até as alturas do Monte Dunsinane”.
Não é necessário explicitar as óbvias semelhanças entre a tragédia shakespeariana e a desgraça brasileira, iniciada em 2016. Talvez registrar que esta supera aquela em termos de traições, vilania e torpeza. Menciono a profecia citada apenas para relembrar que Macbeth foi vencido, porque a floresta terminou indo ao seu encontro.
Em dezembro de 2017, o então candidato Jair Bolsonaro declarou, em Manaus, que o Brasil dificilmente manteria sua soberania sobre a Amazônia e que, para salvar ao menos uma parte dela, seria necessário firmar parcerias com países como os Estados Unidos, para a exploração de recursos minerais, projeto que passaria, necessariamente, pelo avanço nos territórios indígenas demarcados e retirada da cobertura vegetal.
A campanha de Bolsonaro se manteve no mesmo diapasão até a eleição: reserva indígena é zoológico, o problema da Amazônia são as ONGs, vamos explorar nióbio e outras pérolas que foram, digamos, devidamente assimiladas pelos destinatários.
Pouco depois de empossado e após visita aos Estados Unidos, Bolsonaro afirmou, em entrevista à emissora de rádio Jovem Pan, que tratou com Donald Trump a abertura da exploração da região amazônica em parceria com os Estados Unidos:
“Quando estive agora com Trump, conversei com ele que quero abrir para ele explorar a região amazônica em parceria. Como está, nós vamos perder a Amazônia, aquela área é vital para o mundo”.
Em 19 de julho, em encontro com jornalistas estrangeiros, Bolsonaro afirmou que os dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, que mostram o aumento do desmatamento da Amazônia nos últimos meses, eram mentirosos.
Disse, ainda, suspeitar de que Ricardo Galvão, diretor do instituto, esteja “a serviço de alguma Ong”. O diretor rebateu as acusações e foi substituído alguns dias depois. Os dados do Inpe mostravam que entre janeiro e junho de 2019 houve um desmatamento de 213 km² na região amazônica.
Na esteira das declarações e atitudes do presidente, dos ataques às políticas ambientais, aos ambientalistas e aos órgãos de fiscalização, fazendeiros da região amazônica não se fizeram de rogados e promoverem, entre os dias 10 e 11 de agosto, o “dia do fogo”. Como consequência, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais chegou a registrar quase oito mil focos de incêndio.
Enquanto o governo negava a extensão do problema e, depois, responsabilizava as organizações não governamentais pelas queimadas, o mundo inteiro se voltou para o desastre ambiental que se processa no Brasil. Manifestações em defesa da Amazônia foram convocadas em todos os continentes. Alemanha e Noruega cancelaram doações para o Fundo Amazônia e foram esnobados por Jair Bolsonaro.
O Secretário Geral da ONU, Antonio Guterres, manifestou profunda preocupação com os incêndios na floresta amazônica e afirmou que a Amazônia deve ser protegida. Por fim, o presidente francês, Emmanuel Macron, convocou a cúpula do G7 a discutir os incêndios na Amazônia na reunião que será realizada no próximo final de semana. Foi o bastante para que o governo brasileiro atacasse os países europeus, ao argumento de que pretendem tirar vantagens econômicas com as questões ambientais, e Bolsonaro se voltasse contra o presidente Macron, acusando-o de disseminar fake news.
Todos os dias, o comportamento do presidente brasileiro nos estimula a considerá-lo um louco assessorado por lunáticos. Nos últimos dias não tem sido diferente, porque o quadro de devastação, a gravidade dos fatos simplesmente não autorizariam as falas e atitudes de Bolsonaro, fosse ele são.
Entretanto, abalizadas opiniões de psicanalistas e cientistas políticos nos indicam que tudo não passa de jogo de cena e que há um propósito muito bem definido por trás disso.
No caso da Amazônia, a intenção foi declarada ainda na campanha presidencial: dar ensejo a uma intervenção estrangeira, entregar as riquezas minerais brasileiras aos Estados Unidos da América, ao custo do sacrifício da fauna e da flora amazônicas, do meio ambiente planetário, da soberania nacional.
Resta saber se a Floresta Amazônica subirá o Planalto Central contra o tirano. Se os cidadãos do mundo seremos soldados da floresta, em defesa da biodiversidade, das reservas indígenas e dos rios. Se marcharemos em manifestações em todos os lugares; se denunciaremos as mentiras e tramas em artigos, pesquisas e fotografias. Até que prevaleça o bom senso e que se ponha fim à devastação.
Hugo Cavalcanti Melo Filho é juiz do trabalho em Pernambuco, doutor em Ciência Política, Professor da UFPE e integrante da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).