A naturalização da violência
.Por Paulo Bufalo.
Em 2015 escrevi um artigo chamado “Uma tal ideologia de gênero” refletindo as posturas retrógradas de políticos de direita e fundamentalistas religiosos, dentro de instituições do Estado brasileiro e os reflexos disso no crescimento da violência contra negros, mulheres e LGBT’s no Brasil.
Retorno ao tema, pois, desde então, este cenário só piorou. Se havia uma tentativa de impedir que as escolas discutissem as raízes destes problemas sociais, preservando intocáveis as estruturas racistas, machistas e homofóbicas de nossa sociedade, agora há um evidente estímulo oficial à intolerância com a diversidade e os direitos humanos em todas as esferas públicas e privadas.
Naquele período em muitas cidades discutia-se sobre a chamada “ideologia de gênero” que, segundo seus proponentes, era usada para “destruir famílias e valores morais, subtrair autoridade dos pais e acabar com o referencial das crianças em relação à sua sexualidade”.
Em Campinas começou a tramitar na Câmara um Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PELOM 145/2015) para vetar qualquer proposição legislativa que regulamentasse políticas de ensino, currículo escolar e disciplinas obrigatórias, complementares ou facultativas, para aplicação de ideologia de gênero, o termo gênero ou orientação sexual.
Os autores apropriaram-se desta farsa conceitual, pois, pretendiam que a Lei Orgânica que é equivalente a uma Constituição do Município e deve atender aos princípios da democracia, da pluralidade de pensamento e da liberdade de culto religioso, passasse a servir apenas ao fundamentalismo de suas religiões submetendo o “resto” da sociedade aos seus valores moralistas.
No Congresso Nacional os debates se acirraram em 2014 quando eram votados os últimos dispositivos do Plano Nacional da Educação – PNE. Os deputados, que usam e abusam das religiões, não aceitaram que entre as diretrizes do PNE (Artigo 2º) fosse incluído ao inciso III: que tratava da superação das desigualdades educacionais, o texto: com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual.
Rejeitaram o texto, acusando de forma alarmista que se pretendia transformar a educação num instrumento “ideológico” e, alinhados com o movimento escola sem partido, disseram que se tratava de um dos aspectos da doutrinação nas escolas que devia ser combatida, numa verdadeira cruzada pelos “homens de bem”.
Tragicamente estas ideias ganharam força nas redes sociais e na sociedade, principalmente pelas posturas da família Bolsonaro e seus seguidores, desde a campanha eleitoral de 2018 e se intensificaram no governo, que tem a tensão social permanente como sua principal tática política. O próprio presidente, seus filhos e ministros em discursos e ações cotidianas disseminam o ódio contra o pensamento crítico e estimulam a violência no conjunto das relações humanas.
Querem uma educação tecnicista impedindo a consciência crítica da sociedade e que se discuta o machismo, a homofobia e o racismo, naturalizando fatos de que no Brasil uma mulher é assassinada a cada duas horas por sua condição de gênero, um LGBT é assassinado a cada dezesseis horas ou um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos segundo dados do próprio Congresso.
O governo federal e seus semelhantes nos estados, como Doria em São Paulo, se caracterizam por serem conservadores na política, antidemocráticos nas decisões, violentos nas relações e sem quaisquer escrúpulos no cuidado com o povo e o patrimônio público. Por isso além da educação também a cultura está sob ataque destes governos.
O combate aos efeitos perversos de questões estruturantes de nossa sociedade como é o caso do machismo, da homofobia e do racismo, passa obrigatoriamente pela compreensão de suas raízes, construção de conhecimentos e partilha de vivências e isso não se consolidará sem o pleno acesso à educação e à cultura livres e democráticas. #BoraResistir
Paulo Bufalo é professor e ex-vereador de Campinas