A economia, a política e a derrota estratégica da esquerda

.Por Octávio Fonseca Del Passo.

A economia
O editorial de quinta-feira, 9, do Estadão, intitulado Bem pior que uma decepção(link), mostra a responsabilidade do atual governo no resultado do desempenho da indústria nos três primeiros meses do novo governo. A produção nacional do primeiro trimestre foi menor que a do trimestre inicial do ano passado e menor que a do trimestre final de 2018, diminuindo em 9 dos 15 lociais pesquisados pelo IBGE.

(foto agência brasil)

Em São Paulo, estado que produz pouco mais de um terço dos produtos industriais do país, a queda da produção industrial foi igual a média nacioanl, 1,3%, quando comparada com a do mês de fevereiro de 2019. Mas se comparada à março de 2018 ela foi de 7,3%, desempenho pior do que a média nacional. Contudo, embora eu cite São Paulo, há outros estados em situação ainda mais lastimável.

Diante de uma retração na ponta do consumo, devido ao alto nível de desemprego, toda a teia de produção está comprometida. As fábricas operam com capacidade ociosa e, assim, falta estimulo para investimento em mais máquinas e instalações.

Em síntese, a crise na indústria se alonga e esse ramo será obrigado a tomar medidas economicas. Medidas políticas de arrocho salarial e de retirada de direitos, tais quais os trabalhistas, já foram tomadas e não surtiram o efeito esperado. A exceção é a reforma da previdência, que ainda não foi aprovada, mas tudo indica que tal como hoje proposta, ela está longe de ser o que a economia nacional precisa. Corre-se o risco de aprovarmos uma reforma (sem um verdadeiro debate público, como foi a eleição), que se quer as discrepâncias da providência resolverá.

Essas medidas que os industriais tomarão podem ser diversas, mas gostaríamos de versar aqui sobre a possibilidade de uma modernização industrial. Com meses ou anos paradas, as máquinas industriais terão que ser substituidas ou modernizadas e isso pode gerar um novo patamar para a industria que poderá voltar a produzir em níveis próximos a primeira decada dos anos 2000 sem o volume de contratação que aconteceu nesse mesmo período. Como sabemos, a juventude é um dos setores sociais mais prejudicados pelo desemprego, tendo uma taxa que fica, em média, o dobro da nacional. No caso de uma modernização industrial é provavél que essa tendência permaneça.

De fato, a modernização na industria já está acontecendo. Podemos citar como exemplo a industria automobilistica. Toda a movimentação dessas industrias no Brasil (algumas indo embora, outras diminuindo sua produção) pode nos mostrar a incopentencia do governo Bolsonaro e sua equipe economica para negociar com o setor e pode mostrar a força da crise, como os dado acima evidenciaram. Mas ela nos remete também ao que tem sido comumete chamado de Indútria 4.0, uma vez que o setor automobilistico tem passado por uma reestruturação mundial, devido à diversos fatores como a queda da venda de automoveis, e a necessidade de novo maquinário voltado para a produção de outros tipos de veiculos, como os elétricos e os voadores.

A política
Embora possamos apontar muitos limites, o nosso balanço geral aponta para o fato de que a aposta que os principais partidos da esquerda fizeram, ao final da ditadura, em centralizar a disputa política na institucionalidade estatal trouxe algumas vitórias e uma sensível melhoria na condição de vida da população em geral, em especial a mais carente. No entanto, avalio que a esquerda sofreu uma derrota estratégica nos últimos anos.

No Brasil, a direita tradicional chegou ao poder por meio de um golpe institucional, mas foi perdendo pouco a pouco espaço para duas alas que hoje disputam a hegemonia no bloco no poder: os militares e os neofacistas. Ainda no governo da direita tradicional, chefiado por Michel Temer, a orientação ficou clara com as reformas trabalhista, a chamada PEC do teto dos gastos e a inteçao de aprovar a reforma da previdência. Com o governo Bolsonaro a hegemonia do capital financeiro e do capital internacional no bloco no poder ficou mais clara porque tornou-se mais agressiva.

A ala neofascista do governo, embora convergente com a equipe economica neoliberal, parece ter elencado como prioridade de ação realizar os seus objetivos políticos, que é liquidar a esquerda e as suas organizações políticas e sociais.

O caos economico e o desmonte do Estado ficariam encarregados de desconstruir as suas políticas. Assim, podemos enquadrar como táticas desse objetivo algumas medidas, como a reforma sindical e o fim do financiamento dos sindicatos de trabalhadores/as e a tentativa de enquadrar os movimentos sociais, como o MST, na lei anti-terrorismo. Para a esquerda não ser aniquilada é preciso uma nova leitura dos sindicatos e dos partidos, uma aposta em novos sujeitos e um planejamento tático conjunto que comece agora.

A derrota estratégica
O cenário de crise somado à derrota estratégica da esquerda, nos obriga a repensarmos os caminhos a serem trilhados. Se começarmos a análise pela indústria, percebemos que a crise nesse setor significa escasses de postos de trabalho formal e com média maior de benefícios aos trabalhadores e trabalhadoras. As contradições aumentaram diante do custo social da crise economica e da incerteza política de um governo comprometido em causar balbúrdia. Entre os mais atingidos estão a juventude, sobretudo a negra e periférica. Sofrem mais com a rotatividade do trabalho, com o maior índice de desemprego e possivelmente com a revolução 4.0 da insústria isso não será diferente.

Some-se a esse fato a derrota política e a falência econômica dos sindicatos (e por consequência a sua inviabilidade para funcionar como até então vinha funcionando) e a grande dificuldade que esses instrumentos têm de organizar os jovens e veremos que corremos o risco de ficar sem base social nos próximos anos. Os partidos políticos têm uma péssima avaliação, assim como o Congresso. Ambos são responsabilizados pela crise econômica, social, política e ambiental que vivemos. Em parte com razão.

Diante da situação dos instrumentos políticos, em especial os da esquerda, e do alto índice de desemprego, sobretudo o juvenil, temos uma tarefa imediata para reverter o mais rápido possível a ofensiva neoliberal. É preciso que os núcleos e institutos de pesquisa, junto aos sindicatos, se debrucem sobre o perfil e o território da juventude que trabalha nos setores de ponta da indústria, como a automobilística. A análise desses dados também deve um mapeamento territorial da juventude qualificada.

Assim abre-se a possibilidade de uma reorganização que nos permita uma alternativa aos sindicatos, devido à conjuntura, ao mesmo tempo em que nos fortalece para uma longa batalha de posições, de trincheira. A partir da organização de operários nos bairros, do estimulo à solidariedade a partir do local de moradia podemos virar o jogo. Dependemos do sucesso de articulação dos sindicatos e dos movimentos sociais, em especial os de juventude.

Octávio Fonseca Del Passo é doutorando em Ciência Política no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.