.Por Luís Fernando Praga.
Esse cara não é santo, é perigoso, cuidado! Jamais se iluda, portanto, com o quanto ele é amado! Esse cara não é santo! Não é o deus do operário, não tem rosto no sudário, não vem daí seu encanto, e, muito pelo contrário, esse cara é, simplesmente, só mais um tipo de gente, só homem, de carne e osso! Foi criança penitente, com a corda no pescoço, dessas que morrem direto e que ninguém sente falta, e, se morresse na infância, no ermo meio do nada, nos cafundós do sertão, ninguém sentiria nada nem pediria perdão, e a sociedade, calada, com outra vida de nada pela secura ceifada, seguiria, inabalada, o ritmo da manada.
Esse cara não é santo, mas é um cabra da peste, nasceu na mão da miséria e não foi “dessa pra melhor”, passou pela seca ileso, conhece a fome de cor; beijado pelo desprezo, viu a morte cara a cara e fugiu num pau de arara, partiu em busca de água como quem sofre sem mágoa, quem apanha e não se vinga e viu que a vida era mais que o árido da caatinga…
Veio só sobreviver; nem sabia o que eram férias, descobriu outras misérias, outras formas de sofrer, outras boquinhas famintas, pessoas de outras cores, diversas caras de dores, as canetas e as tintas. Conheceu as canetadas do poder e do descaso que o governo concedeu pra ele poder morrer, mas, por acaso, viveu…
Poderia ter morrido que ninguém diria nada, outra criança mirrada nascida pra ser xingada de bandido, vagabundo, trombadinha, nordestino, mas nunca pra virar santo ou ser um Nobel da Paz; porém, é louco o destino; e, por algum desatino, sobreviveu o menino até que virou rapaz.
Esse cara não é santo, é gente, como esse povo, que nasce pra todo canto, que parece repetido, de tanto que nasce novo, que ninguém sabe quem é, que não tem parente rico, que juiz não bota fé, feito alvo pra milico, que morre sem ser manchete, de bala, seca ou enchente. Aquele cabra da peste que superou o agreste e este sudeste inclemente acreditou que podia, um dia, ser muito gente, gente como toda gente, com direito de ser gente, com direito de comer, com direito de não ser uma coisa descartável, um carvão pra ser queimado, um humano escravizado, um pobre desesperado, um cordeiro conduzido, um nordestino odiado, outro maldito criado desse sistema falido.
O cara que não é santo quis investir em ser gente, “infelizmente” estudou aquilo que não se pode, aprendeu quem ele era e quem éramos todos nós; e, onde a mordaça impera, ele aprendeu a ter voz, discursou o que milhões sempre quiseram falar e arrebentou seus grilhões pra poder nos libertar.
Esse homem não é santo, não se iluda, companheiro; gente curtida no pranto enxerga além do dinheiro, e aquele menino esperto (chamam “garoto problema”), esse errado que deu certo, esse estorvo no sistema, essa pessoa poema aprendeu a ver que a vida, que tanta gente despreza mais do que bala perdida, não dependia de reza pra que fosse bem vivida, nem sequer de escravidão; dependia de respeito, de amor e de união, paz e solidariedade, educação e direito à ampla dignidade.
O cara que não é santo encontrou seu ideal e achou que podia tanto quanto qualquer general, juiz, pastor ou banqueiro e começou a sonhar. Sonhou que o Brasil inteiro também devia sonhar: enfrentou a ditadura e, num ato de bravura, como um bom sobrevivente, sem ter medo de lutar, o cara que era só gente remodelou o lugar e foi pra vida, contente, seu sonho realizar.
E esse homem, que é só gente, se cansou de ouvir palpite, ouviu sua própria mente e conseguiu, acredite, até virar presidente sem nunca virar elite nem esquecer que era gente.
Oh, elite, como és nobre, tão cristã, armada e branca, pisando em cima de pobre pra não descer da tamanca. Ah, elite, como pode? Como aquele analfabeto criado junto com bode, não virou seu objeto como todo pobre é? Como deixaram crescer esse filho da ralé, do nordeste e da desgraça, esse bastardo sem raça que nunca entrou na Daslu, sem posses, sem sangue azul, esse barbudo safado é inimigo do Estado e a maior ameaça pra que essa elite devassa perpetue seu reinado.
Essa elite, sim, é “santa”: vai à missa e cospe ira, ceia, mata, almoça e janta, e aprendeu, na mentira, que vida de gente é pouco, que faminto é vagabundo, que quem é justo é só louco, que dinheiro salva o mundo; que não precisa ligar pra mais um pobre matado, para as mães a prantear… e o povo teleguiado, pra que se possa comprar, iludir e golpear, pra que sonhe em ser elite mas nunca possa alcançar.
“Como é que aquele moleque conseguiu chegar aqui, debaixo das nossas vistas, comendo das nossas sobras, driblando nossos fascistas, ileso a nossas manobras? E se tivesse morrido como era o programado, no sertão, despercebido, ninguém teria notado, jamais teria fugido, nunca teria estudado, não seria o presidente brasileiro mais votado, não salvaria os famintos, não teria descendentes, nem o flagelo da seca se teria debelado, nem tantos pretos retintos, pobres, gays e excluídos, sem terras, sem teto ou leitos estariam instruídos de que possuem direitos”…
Mas o cabra não morreu: veio, viveu e venceu… Aprendeu que o aprender é um desatar de nós, que o mundo está amarrado, que não se evolui a sós, que a mãe do adulto é a infância, que querer não é pecado, que o que mata é a ganância, que sonhar não tem limite, que doente é quem se omite, quem odeia e pode amar, quem não vê mas não é cego, quem usa a voz pra xingar, quem é escravo do ego.
E nossa elite proclama: “Esse cara não é santo só porque oram por ele! Ele é gente perigosa, ele é o chefe da quadrilha que põe gente em faculdade, que prega que o povo pobre não nasceu só pra ser morto, que não confia em presídios porque ama a liberdade, que permitiu à senzala chegar ao aeroporto! Esse cara é desonesto, não vê essa mão sem dedo e essa barba que eu detesto? Ele faz gente sem medo, ele faz negro doutor, ele fundou um partido que nunca virou passado e quem morria esquecido passou a viver lembrado! Esse cara é o pé rapado que não se pode comprar, esse cara é o diabo, manter livre dá azar”!
A elite tem juiz, tem polícia e tem panela, a elite tem milícia e um congresso só pra ela, a elite tem a chave, o cadeado e a cela… A elite tem a mídia que à História manipula, a elite é genocida porque não ama ninguém, a elite tem escravos entre um povo que a bajula, que, pra pensar que é elite, finge ser gente de bem e não sabe amar também.
O cara que não é santo é diferente, acredite, porque virou presidente, mas não se tornou elite e sempre soube ser gente!
E a gente nem quer mais santos, melhor ter gente capaz! Se santo já tem um tanto e nenhum fez o que ele faz… Esse cara é uma ideia e ideia não se poda nem se prende na cadeia, a ideia é sempre livre e, quando é boa, incomoda, roda, roda pelo mundo e, em questão de segundos, a ideia se renova, evolui e ganha vida para encontrar a verdade; e, enquanto a mão da maldade nos oprime e nos rotula, a esperança nos ampara, a liberdade encasula e a gente não se separa, porque a gente é tudo Lula!
One thought on “Gente de casa é que faz ‘milagre’”