Contra a perseguição ideológica nas Universidades – um manifesto
Por Alcir Pécora
E se afrontar a Constituição é inadmissível num estado de direito, o que dizer de uma comissão parlamentar que pretende fazer triagem ideológica dos membros da comunidade universitária? Aqui, violenta-se a Constituição e ainda a própria ideia de democracia, onde a liberdade de credos religiosos e de convicções políticas é inalienável de cada cidadão pleno da república.
A ideia de reprimir cientistas e pensadores que fossem eventualmente “de esquerda”, em si mesma, é repugnante e tem de ser repudiada – não pelos que se consideram de esquerda, que, diga-se, nem de longe são maioria na Universidade –, mas por todos que ainda prezam a força do ideal democrático e republicano.
Não é a esquerda que é atingida com uma aberração parlamentar como essa, mas o próprio coração da democracia, pois se trata de um ato de traição inaceitável por parte de representantes eleitos e legítimos apenas enquanto vige a ideia de democracia.
A ameaça intimidadora e esdrúxula do deputado Wellington Moura de ‘analisar como as questões ideológicas estão implicando no orçamento’[sic], dado perceber ‘um predomínio da esquerda nas universidades’ é tão ostensivamente desinformada como ofensiva à mais singela ideia de cidadania numa república democrática. O que ele imagina como ‘análise’?
Pedir atestado ideológico para saber se o dinheiro gasto com a pesquisa é adequado? O que ele pensa: que os maiores cientistas e intelectuais do país farão ou não um trabalho de pesquisa financeiramente justificado de acordo com o voto que deram na última eleição?
Que o médico que pesquisa o câncer, o físico que estuda o neutrino ou o historiador ou o crítico literário que estudam história cultural hão de gastar bem ou mal dependendo de ler a mesma cartilha ideológica do governador ou de seus acólitos?
Não há nada mais absolutamente contrário à ideia de boa ciência do que a tentativa de controlar politicamente os seus laboratórios ou os seus dados e estudos. Tal propósito é, pela sua própria natureza, antidemocrático e fascistoide, ainda que esconda o seu nome vergonhoso com a preocupação fiscalista ou de gestão eficiente. (Do GGN).
Alcir Pécora é professor titular da Unicamp