Os estudantes e os petroleiros
.Por Giba Soares.
“O poço do Visconde”, livro de Monteiro Lobato escrito em 1937 é mais que uma história de estripulias dos netos de Dona Benta, para além do enredo, tem-se verdadeiras aulas sobre geologia, geofísica, química e indústria do petróleo. Esse era o intuito do criador do “Sítio do pica-pau amarelo”, iniciar a formação dos nossos estudantes para um tema que seria a salvação nacional. Hoje ele receberia a pecha de doutrinador ideológico.
Ele talvez possa ser considerado o primeiro petroleiro, não que tenha sido o pioneiro na tentativa de encontrar petróleo no Brasil, apesar de ter fundado algumas empresas de petróleo, mas foi quem alçou o debate a nível nacional. Para tanto, não media palavras, fosse desmoralizando o Conselho Nacional do Petróleo ou mesmo acusando o governo de “não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire”, a ponto de ser preso. Hoje seria acusado de ficar torcendo contra o governo.
A campanha “O petróleo é nosso!”, que culminou com a criação da Petrobrás, acontecia apenas na esfera política, nos debates entre intelectuais, no Clube Militar. Só ganhou corpo popular quando a UNE (União Nacional dos Estudantes) empunhou a bandeira e saiu as ruas e isso foi fundamental para desempatar o jogo entre nacionalistas e entreguistas. Pode-se dizer que os estudantes fundaram a Petrobrás. Hoje eles seriam xingados de idiotas úteis ou massa de manobra.
De 2005 a 2017 a Petrobrás foi escolhida a empresa dos sonhos dos jovens por 7 vezes e nas demais perdeu apenas para a Google. Dentre os motivos da escolha estão a possibilidade de desenvolvimento e de inovar, muito provavelmente por ser a maior detentora de patentes no Brasil (o 2º lugar é da Unicamp) ou ser a 2ª empresa que mais recebeu o OTC, principal prêmio internacional do setor de petróleo ou ter feito em 2006 a maior descoberta na área petrolífera dos últimos 30 anos. Tudo isso graças ao CENPES, um dos poucos centros de pesquisa no Brasil mantido por uma empresa. Hoje esses feitos seriam taxados de balbúrdia feita por gente pelada.
Com a descoberta do pré-sal, finalmente o Brasil poderia produzir petróleo em grandes quantidades, mas para trilhar o caminho do desenvolvimento sonhado por Lobato e não o da doença holandesa seria preciso modificar a legislação.
A UNE, apoiada pelos petroleiros encampou um projeto para que 100% dos royalties e 50% do Fundo Social do pré-sal fossem investidos em educação. A conquista foi parcial, já que além da educação, esse montante também é dividido com a saúde, mas o maior perigo está por vir: para aprovar a reforma da previdência o atual governo oferece a estados e municípios quantia considerável dessas verbas. Enquanto o ministro da economia oferece dinheiro da educação, o ministro da educação bloqueia recursos da própria pasta. Hoje, estudantes e petroleiros que colaboraram para o debate do pré-sal seriam convidados a aprender apenas “leitura, escrita e fazer conta”, para que a sua formação “gere renda para a pessoa e bem-estar para a família”.
Ontem, 15 de maio, os estudantes nas ruas e os petroleiros com paralisações nas refinarias, terminais, escritórios e plataformas, fizeram tremer os que colocam pechas, acusam, xingam, taxam, emburrecem.
“_(…) Nosso Visconde é livresco demais. Temos que declarar greve. Topam?
_ Topamos – concordaram as duas, também já cansadas de ciência teórica.
Pedrinho voltou-se para o sábio e disse:
_Feche o livro, Visconde. Resolvemos dar começo ao poço já, já, já.”*
(*Trecho de “O poço do Visconde” de Monteiro Lobato.)
Que amanhã, 14 de junho, a greve geral seja o início de um efetivo controle das tomadas de decisão por estudantes e trabalhadores.
Giba Soares, é ex-petroleiro e radialista.