Em São Paulo – A exposição A Imagem e a Palavra – Mar Morto, Jorge Amado, que reúne obras de novos e consagrados artistas a partir da leitura do livro do escritor baiano, poderá ser vista até o dia 31 de maio, de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 18h30, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), da USP, com apresentação do grupo Mosaico.
A mostra, com idealização e coordenação da artista plástica Altina Felício, não é a primeira realizada nesse formato – no ano passado, uma experiência bem-sucedida já havia sido baseada no clássico Macunaíma, de Mário de Andrade.
Mar Morto, publicado em 1936, quando Jorge Amado (1912-2001) tinha apenas 24 anos, é um livro poético que apresenta a vida dos marinheiros no cais de Salvador e sua luta diária pela sobrevivência. Com descrições ricas sobre as cerimônias religiosas de matriz africana, assim como músicas e outras manifestações culturais, o livro é um marco para a valorização dos costumes e das tradições que formam o povo brasileiro.
A obra inspirou Dorival Caymmi a compor um de seus maiores sucessos, Como é Doce Morrer no Mar, uma radionovela na década de 40, uma adaptação para os quadrinhos, em 1960, e até uma novela global, em 2001, só para citar alguns exemplos. Também recebeu o Prêmio Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Para Mário de Andrade, em carta endereçada ao escritor, Mar Morto transformou Jorge Amado em “doutor em romance”. Já a escritora Ana Maria Machado escreveu, no posfácio de uma edição do livro, que “ninguém poderia imaginar que conquistaria o mundo e exportaria essa imagem de baianidade por uma enorme quantidade de línguas e culturas”.
Como diz a artista Altina Felício, Mar Morto, quinto livro de Jorge Amado, descreve um universo regional, retratando uma vida bastante diferente de cidades como São Paulo, por exemplo. “Traz os pescadores, pessoas pobres que lutam pela vida, e de uma forma muito interessante, porque vivem do mar e de sua instabilidade, mas não se incomodam com isso – eles já nasceram, cresceram, sabendo que vão morrer ali.”
Agora, esse livro inspira 33 artistas, incluindo a própria organizadora – ela prefere esse termo a curadora – na criação de obras originais para a exposição na BBM, transformando as palavras de Jorge Amado em gravuras, aquarelas, pinturas, cerâmicas, fotografias, desenhos, técnicas mistas e instalações. Não só sobre o mar, a religião (o candomblé) e os personagens, mas também a partir de temáticas contemporâneas.
Segundo Altina, o título Mar Morto pode ser traduzido em imagens de animais marinhos mortos e na quantidade de lixo produzido por uma sociedade “que não pensa na natureza como ser vivo e no quanto dependemos dela para nossa sobrevivência”. E acrescenta: “A poluição ambiental não era uma preocupação quando Jorge Amado escreveu a obra, mas hoje é uma preocupação gritante, o mar pode morrer”. Outro paralelo contemporâneo, segundo ela, são os naufrágios de um povo que busca uma vida melhor, como tem acontecido nas atuais ondas migratórias em que as pessoas embarcam de qualquer jeito e morrem, às vezes até famílias inteiras.
Na exposição, Altina Felício apresenta um trabalho em preto-e-branco, com cerca de 1,80 metro, realizado a partir de colagens de pequenos pedaços de gravuras que vão ganhando formas femininas – são três imagens que podem ser identificadas no livro, ou que também podem remeter a figuras religiosas, como Iemanjá e Iansã. Gravurista que utiliza a técnica de ponta seca sobre cobre, a artista acaba perdendo as matrizes e as gravuras são rasgadas e reaproveitadas na reconstrução de uma imagem. “Assim a gente reaproveita tudo, é só ter ideias”, ressalta.
A mostra também reúne vários trabalhos, “bem coloridos”, de Deucélia Silvério, São Queiroz, Sylvia Soares e Katia Canton, além de xilogravuras de animais marinhos de Angela Leite que retrata, entre outros, “lindas baleias”, nas palavras da organizadora, e a obra Maré, de Regina Carmona, que assim como o título lembra as ondas do mar – uma pintura feita em papel artesanal, com pigmentos que a própria artista prepara, como ela mesma conta.
Entre as instalações, destaque para o trabalho da artista Lourdes Sakotani, que visitou uma vila de pescadores no Guarujá, no litoral de São Paulo, e retratou a comunidade em fotografias. No trabalho, além de fotos presas em anzóis, há redes e vidros quebrados, que fazem referência ao mar. A artista ainda conta que durante a visita descobriu, através dos pescadores, que a pesca nessa região já não existe. Segundo eles, os peixes chegam de outros lugares para abastecer o mercado local.
Lembrando as histórias de náufragos que jogam ao mar cartas dentro de garrafas, o artista David William utiliza várias garrafas suspensas que contêm imagens de mulheres solitárias, remetendo àquelas que ficam esperando os maridos voltarem das viagens – são desenhos feitos em nanquim que ficam dentro de garrafas com água, “alguns feitos em papel sulfite, que vão se desfazendo e depositando no fundo um pozinho”, conta a organizadora. Seu trabalho se completa com uma xilogravura representando os movimentos do mar.
Também na exposição podem ser vistas as obras da artista Pitiu Bonfin, que utiliza imagens que ela recolhe, às vezes de catálogos de pintores famosos, retrabalhando, em cima desse material, pinturas. Há ainda o trabalho de Marina de Falco, que desenha o mar em uma tela inteira, com uma conchinha ao lado, além da monotipia de Bia Black, realizada sob fotografias, e gravuras de J. Milton Turcatto e André Balsini. Como disse Ana Maria Machado, “o leitor que mergulhar nestas águas entenderá os motivos”, e o espectador que adentrar a exposição será levado ao cais da Bahia com os personagens criados por Jorge Amado.
Mais informações no SITE do Jornal da USP. (Carta Campinas com informações de divulgação)