Agora é o Samba, mas antes foi o Captopril
“Essa convivência entre ensino e pesquisa é a coisa mais valiosa que tem na universidade”, diz Julio Cesar Batista Ferreira, um jovem professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
Assim como tantos outros da sua geração, ele começou a carreira como aluno de iniciação científica, no laboratório da professora Patricia Brum, da Escola de Educação Física e Esporte da USP, estudando “a influência da genética no desempenho esportivo”. De lá para cá, foi um caminho sem volta: se encantou com a pesquisa e nunca mais largou a ciência.
Hoje, com 38 anos, Ferreira coordena um laboratório no Departamento de Anatomia do ICB, dedicado à busca de alvos moleculares para o tratamento da insuficiência cardíaca.
Em seu mais recente trabalho, publicado em janeiro na revista Nature Communications, o grupo descreve o desenvolvimento de uma molécula — batizada de Samba — que bloqueia a evolução da doença em ratos. “Pesquisa feita 100% na universidade e com recursos públicos”, ressalta Ferreira.
Uma patente foi depositada e os resultados já atraem a atenção de empresas estrangeiras, interessadas em testar o potencial da molécula no tratamento da insuficiência cardíaca em seres humanos.
Tudo dando certo, Julio sonha percorrer com o Samba um caminho semelhante ao que outro pesquisador de sobrenome Ferreira — um ícone da ciência nacional — ajudou a desbravar mais de meio século atrás, num dos casos mais emblemáticos do potencial tecnológico da pesquisa acadêmica e da biodiversidade brasileira.
Na década de 1960, Sergio Henrique Ferreira, então um jovem pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, descobriu uma molécula no veneno da jararaca que reduzia a pressão arterial em roedores, chamada BPF (fator de potencialização da bradicinina, em inglês).
A descoberta chamou a atenção da indústria farmacêutica internacional, que levou a pesquisa adiante e, anos mais tarde, transformou a BPF no captopril, um dos medicamentos antihipertensivos mais usados no mundo até hoje.
O caminho da bancada até o mercado, porém, é longo, tortuoso e cheio de incertezas. Só para chegar ao Samba foram dez anos de pesquisa; e para transformá-lo em medicamento será necessário pelo menos mais uma década de trabalho, envolvendo testes clínicos e laboratoriais, ressalta Julio Ferreira — isso tudo, sem qualquer garantia de sucesso, pois nem sempre o que funciona em animais funciona em seres humanos.
Essa lacuna temporal é um dos principais motivos pelos quais as pessoas não reconhecem o papel das universidades na descoberta de novas drogas e tratamentos, avalia o cientista.
Quando o produto chega ao mercado, ele chega com a marca da indústria farmacêutica que o desenvolveu comercialmente, e não com o nome da laboratório acadêmico onde seu princípio ativo foi originalmente identificado.
“A entrega do que a universidade gera não é imediata”, observa Ferreira. Mas ela chega. “Se você voltar no tempo e olhar a história daquele remédio que tem a marca da empresa, com certeza ele se originou em alguma pesquisa na universidade.”
“A universidade tem de fato um único produto, que é a pesquisa. Esse produto chega para a sociedade em embalagens diversas: pode ser na forma de recursos humanos, de trabalhos científicos, inovação, tecnologias, serviços. Mas tudo vem da mesma fábrica: a pesquisa”, afirma Marques, da Auspin. (PorHerton Escobar – Jornal da USP)