Bolsonaro ignora a Constituição e a Democracia
.Por Paulo Bufalo.
Na cerimônia dos cem dias do governo federal o presidente Bolsonaro assinou o Decreto 9.759/2019 que extingue ou restringe a existência de colegiados na administração direta, fundações e autarquias em nível federal. O decreto define por colegiados os conselhos, comissões, grupos de trabalho, entre outros vinculados aos ministérios e órgãos de governo.
Embora não exista um estudo preciso sobre o número destes colegiados, sabe-se que dezenas de conselhos criados para análise, discussão e, em alguns casos, aprovação de programas e políticas públicas poderão ser extintos por não se enquadrarem nas restrições do decreto.
O governo afirma que a medida visa desburocratizar o Estado e economizar dinheiro público, mas não apresenta qualquer estudo que demonstre o alcance da medida. Afirma também que estes conselhos servem ao aparelhamento político e suas recomendações ou decisões são à margem da lei e atrapalham o funcionamento do governo e do Congresso.
Bolsonaro escreveu em uma rede social “Gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil, não se importando com as reais necessidades da população.”
Estes argumentos são puramente voltados à tática política do presidente, de guerra ideológica permanente que, entre outras finalidades, pretende encobrir a falta de capacidade de seu governo em lidar com as diversidades e demandas sociais do Brasil.
Os conselhos, em geral, têm composição paritária entre a sociedade civil e os governos e foram impulsionados desde a Constituição de 1988 como instrumentos de fiscalização e participação direta da sociedade na administração pública. Embora existam conselhos deliberativos, em sua maioria, são de caráter avaliativo e consultivo das políticas referentes às temáticas que atuam.
Os membros destes conselhos não são remunerados, tendo ressarcido apenas seus gastos com transporte, alimentação e hospedagem para reuniões e ações convocadas periodicamente dentro de regras regimentais e públicas. Em nível federal é comum que estes conselhos sejam presididos por ministros ou diretores de órgãos públicos aos quais estão vinculados, o que reduz ainda mais os gastos alegados.
Foram afetados pelo decreto e poderão ser extintos os colegiados que tratam da política Indigenista; dos direitos de LGBT’s; de combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil; da política de atendimento à população em situação de rua; dos direitos das pessoas com deficiência; segurança pública; dos direitos previdenciários e das pessoas idosas; de cadastro das famílias atingidas por barragens; de identificação de ossadas de vítimas da ditadura; de educação em direitos humanos, entre outras áreas de fundamental importância para consolidação de nossa frágil democracia.
Na prática, as restrições impostas pelo decreto poderão paralisar e ou extinguir os próprios programas e políticas públicas em que atuam estes colegiados. A possibilidade dos órgãos públicos federais requererem a manutenção dos mesmos, não garante que serão preservados, principalmente pelo incomodo que, o fato de existirem, causa ao próprio presidente.
Mesmo os colegiados previstos em lei, que ficaram de fora deste decreto, como os Conselhos Nacionais de Saúde, de Educação, de Assistência Social ou de Meio Ambiente, estão ameaçados pela forma como princípios constitucionais consolidados são desrespeitados sem qualquer cerimônia pelo governo federal.
Em todos os níveis da administração pública, estes colegiados com representações legítimas e composições paritárias e suas deliberações sendo respeitadas, podem ajudar muito na consolidação e avanço de programas e políticas públicas.
Com o decreto, o presidente Jair Bolsonaro ignora esta construção coletiva das políticas, desrespeita os movimentos sociais e, mais uma vez, demonstra que não tem qualquer apreço pela democracia e seus instrumentos.
Paulo Bufalo