Nós resistiremos ao racismo!

.Por Ricardo Corrêa.

Eu sentia lâminas de facas me abrindo de dentro para fora… Eu não conseguia mais rir” (Frantz Fanon)

As pessoas não-negras nunca saberão o quão a saúde mental dos negros é abalada pelo racismo, ainda mais nesta realidade que assassina um jovem negro a cada 23 minutos. Essas mortes provocam um misto de medo e apreensão (eu serei o próximo?), impedindo que tenhamos uma vida sem qualquer perturbação mental.

(foto: wikiimages cc)

Ainda assim, nesse cenário de evidente genocídio, procuramos mobilizar forças para continuar caminhando. Somos sujeitos de uma história de resistência iniciada no período escravista e que se arrasta até hoje. Os africanos lutaram mesmo violentados com ardentes chibatadas. Nós estamos lutando. Não seria correto negligenciarmos a história, afinal, nossas vidas é o reflexo do passado e como disse Milton Santos “A escravidão marcou o território, marcou os espíritos e marca ainda hoje as relações sociais deste país”.

O racismo persiste, adquire novas feições e estrutura-se para a perpetuação dos privilégios dos apóstolos da branquitude.1 A discriminação e o preconceito racial se reinventam, sobremaneira, dificultando o encontro de uma saída para a situação de vulnerabilidade social em que a população negra está mergulhada. Temos a impressão de que os esforços antirracistas seguem em vão, e os direitos conquistados estão sempre sob a sombra da revogação.

Desde que comecei a ter consciência do meu lugar no mundo, nada mais foi como antes. Impossível estar em algum lugar e ignorar quantos negros estão presentes e a posição que ocupam. O resultado deste exercício se repete: quando há negros, as posições ocupadas são subalternas. É a nudez do racismo demonstrando a ordem cotidiana no país da mentirosa “democracia racial”. 

Isso remete à reflexão de Frantz Fanon quando escreveu que vivemos numa atmosfera neurótica “(…) para um homem cuja arma é a razão, não há nada mais neurótico do que o contato com o irracional”. Não teria como ser diferente, o duelo entre a consciência crítica e a alienação é constante. Aliás, é inadmissível aceitarmos este sistema que trata o povo negro como seres inferiores. 

A comoção das pessoas no episódio em que um cachorro foi morto pelo segurança no Carrefour, em comparação com a morte do jovem negro no Extra, mostrou muito bem como os negros são vistos no Brasil: a pedagogia do desprezo foi desnudada. Tivemos a certeza de que homens negros e mulheres negras são as últimas opções de compaixão entre os animais existentes na biosfera. 

Como se não bastasse, as múltiplas faces do racismo nos confundem. Exemplo disso é o debate envolvendo o colorismo que aponta hierarquias de sofrimentos por causa do tratamento diferenciado que o racismo dispensa de acordo com a tonalidade da pele. A discussão é importante, mas não pode suplantar aquilo nos une numa só dor. O racista sorri com nossas discussões, pois ele sabe muito bem identificar o negro e o não-negro para colocar o primeiro sob o crivo da opressão: retinto ou não-retinto. Ambos são assassinados, oprimidos.

Que nós consigamos escapar as distrações e construamos estratégias de superação revestidas de discussões radicalizadas, com projetos emancipatórios nos campos políticos, sociais e econômicos. O genocídio é um aspecto alarmante que a branquitude está incorporando na cultura brasileira, precisamos estancá-lo e não naturalizá-lo. Estamos neuróticos, mas temos sonhos como Martin Luther King Jr., portanto, cuidemos da saúde mental para não esmorecermos na luta. Isto é questão de sobrevivência e respeito a todos aqueles que perderam suas vidas, e deixaram a responsabilidade para que desafiemos esta brutal realidade.

Amarildo Dias, Claudia Ferreira, Luana Barbosa, Marielle Franco, Matheusa Passarelli, Moá do Katendê, Pedro Henrique, Rodrigo Serrano, e tantos outros negros e negras que o racismo assassinou, PRESENTE!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARDOSO, Lourenço. Branquitude acrítica e crítica: A supremacia racial e o branco anti-racista. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud . vol. 8 no. 1 ene-jun 2010. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/Colombia/alianza-cinde-umz/20131216065611/art.LourencoCardoso.pdf>. Acesso em: 23 fev. 19

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Bahia: Editora Edufba, 2008.

Nogueira, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo soc., Jun 2007, vol.19, no.1, p.287-308. ISSN 0103-2070

SANTOS, Milton. Cidadanias mutiladas. In: LERNER, Julio (Ed.). O preconceito. São Paulo: IMESP, 1996/1997, p. 133-144.

1 Para a socióloga Ruth Frankenberg “ a branquitude como um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê os outros, e a si mesmo, uma posição de poder, um lugar confortável do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se atribui a si mesmo.”