Sérgio Moro e sua ‘solução final’
.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.
“A maior parte de vós deve saber qual o aspecto de cem cadáveres estendidos lado a lado, ou de quinhentos, ou até mil. Ter abatido essa gente toda de uma só vez e mantermo-nos pessoas decentes foi isso que nos fortaleceu. Essa é uma página de glória como foi escrita e nem voltará a escrever-se na nossa história”. (Heinrich Himmler, discurso de Posen, para oficiais da SS Nazista, em 04/10/1943)Comparar Sérgio Moro com Heinrich Himmler não é nenhum exagero. Ambos possuem o mesmo perfil, buscam o poder, parecem racionais e pedantes ao mesmo tempo, não demonstram limites morais para as suas ações e nutrem um fanatismo gigantesco em torno do seu projeto de poder pessoal, ao ponto de adotar medidas políticas absurdas.
Himmler foi o grande arquiteto da “Solução Final”, na qual pretendia levar 11 milhões de judeus e ciganos para as câmaras de gás. Não atingiu a sua meta. Mas na mais otimista das avaliações, exterminou, em processo industrial, 6 milhões de vidas apenas nesta ação. Isto sem contar os 3 milhões de soldados e civis soviéticos que foram mortos em campos de concentração e das milhares de execuções colocadas em prática pela SS e pela Gestapo sobre o comando do “leal Heinrich”.
Se o fascismo é um movimento de desumanização, o nazismo foi o seu ponto culminante. Nunca, em nenhum momento da história, tantas pessoas tiveram as suas vidas ceifadas com tamanha frieza. Em termos de escala, o genocídio executado pelos nazistas só possui a concorrência do massacre dos povos nativos americanos pelos europeus.
Em termos de compressão do tempo (apenas 7 anos) e de métodos, não existe comparação. O nazismo foi o primeiro movimento genocida que planejou e executou um processo de extermínio adotando métodos de racionalidade industrial. Interessante lembrar que as primeiras experiências de Himmler foram realizadas com asfixia individual e fuzilamento. Depois ele mesmo achou que o método poderia “baixar a moral das tropas”, então preferiu a estratégia científica da “câmara de gás”. Os cadáveres já saiam sem vida para as covas coletivas, sem que os soldados alemães presenciassem o sofrimento daqueles cujo os pulmões eram devorados por ácido venenoso.
Mas não pensem que as ações de Himmler se limitavam aos campos de concentração. Ele também conduziu a “limpeza ideológica” dentro das escolas alemãs. Antes dos campos de concentração virarem a regra, milhares de intelectuais considerados como oposicionistas foram mandados para Dachau já com a certeza de morte. Nisto foram acompanhados por mendigos, deficientes físicos, doentes mentais, homossexuais e todos aqueles que fossem considerandos como potenciais ameaças ao arquétipo da raça ariana. O massacre e perseguição dos intelectuais tinha uma motivação: “recontar a história, mudar a narrativa para um mundo idealizado nos delírios nazistas, no qual os alemães eram descendentes da figura mitológica dos arianos”.
Se fizermos uma viagem no tempo e traçarmos um comparativo entre o fascismo da década de 1930 e o atual, vamos notar diferenças e muitas semelhanças.
Na atualidade, muitas das formas de opressão já estão inseridas no contexto simbólico de dominação. O marketing da violência é o maior exemplo. Se Himmler viveu a época da grande industrialização em espaços concentrados, do fordismo, hoje possuímos uma descentralização produtiva, muitas vezes levadas para o ambiente doméstico e o uso de métodos de controle virtuais. Além disto, o grande aparato de mídia permite recontar histórias e transformar chacinas em atos de defesa da população. Pois é exatamente isto que representa a criação de excludentes de ilicitude legitimando a violência policial.
Os números são claros, os resultados práticos da legitimação desse tipo de conduta aberrante já são sentidos nos primeiros dias de 2019. Em São Paulo as vítimas de autos de resistência aumento em 24,89% apenas em Janeiro. Já em Santa Catarina, este índice saltou 250% para cima apenas nos primeiros 40 dias do ano.
Na mesma semana em que Sérgio Moro apresentou o seu projeto de pseudo-combate à violência, a polícia do Rio de Janeiro chacinou 13 pessoas em ação no Morro de Santa Teresa. Se o Brasil já possui números de guerra civil em termos de mortes violentas, a tendência é que estes indicadores saltem em progressão geométrica no ano de 2019 e sem perspectivas de queda.
A verdade é que Sérgio Moro adaptou os métodos de Himmler para a hiper-realidade contemporânea. Se o nazismo utilizava a força para impor o seu regime de terror, Moro pretende utilizar a legitimação do abuso de poder e a violação de direitos fundamentais como instrumento principal para por em prática a sua solução final. O fascismo contemporâneo se impõe pelo uso de símbolos e de estigmas como instrumentos de destruição ou de autodestruição.
Os cidadãos armados, jogados uns contra os outros e policiais orientados para a eliminação sumária de suspeitos, são apenas uma parte da estratégia, aplicada no varejo da violência com o genocídio já existentes de jovens pobres, em sua maioria negros, estigmatizados por uma perfilhação criminal racista.
A outra proposta, e talvez seja a principal, é a morte em vida, com a destruição moral e da biografia dos adversários políticos e sociais. Além de jovens negros, pobres que moram no morro, já estão incluídos no perfil atacado pelo fascismo brasileiro os militantes sociais esquerdistas, indígenas que ocupam legitimamente as suas terras, feministas e “professores doutrinadores”.
Não existe nenhum impedimento para a execução concomitante dos dois métodos de extermínio, pois as mulheres já são vítimas das balas do feminicídio, os povos indígenas da ação dos jagunços dos ruralistas e os militantes sociais de emboscadas. Sempre lembrando, o Brasil é o campeão mundial de homicídios de militantes sociais e defensores dos direitos humanos, com 1 morte a cada 5 dias.
A atuação de Sérgio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba foi um laboratório para a violação de direitos humanos. Prisões cautelares sem provas, pressão para colaborações premiadas suspeitas, algumas flagrantemente ilegais e inválidas, e a tortura como prática de obtenção de confissões forçadas. Ou alguém acha que uma prisão cautelar, isolado, com o nome pessoal e da família sendo dilapidado diariamente por uma agenda estrutura de mídia não é uma forma de tortura?
A violência moral e simbólica é hoje a forma mais eficaz de tortura, pois destrói com a vida de pessoas antes de serem julgadas ou de existir qualquer tipo de prova ou indício para a acusação. Se o jornalismo investigativo sério ajuda a trazer muitas coisas escondidas para a verdade, a fabricação da notícia por agenda, como método de propaganda contra a moral individual ou de um grupo, tal qual executado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, é sim uma forma de tortura.
Sabedor da eficácia deste método de violência, o ex-juiz paranaense tenta impor a sua estratégia de agressão e medo por meio de um projeto de lei que, supostamente, visa combater a corrupção e a violência. Na prática é um somatório de violações extremas da dignidade humana, de direitos fundamentais e a instalação formal do estado polícia, fiel ao método de Himmler.
Mas o aparato policialesco de Moro vai ainda mais longe. Se a aparência formal de uma democracia concorrencial diferencia os dois modelos de fascismos. Algumas estratégias são idênticas, e o maior exemplo é a anunciada perseguição de professores e intelectuais universitários.
O Protocolo firmado entre o MEC e o MJ, sob o ponto de vista jurídico, é absolutamente inútil, pois ambos são estruturas da administração direta da União. Contudo, a utilização deste ato como um instrumento de declaração de guerra aos intelectuais e de estigmatização política, tem grande força simbólica.
Os vilões, não são as milícias e o jagunços que executam civis inocentes pelo país, mas professores e pesquisadores. Assim como no nazismo alemão, no fascismo brasileiro é anti-intelectual, especialmente contrário às ciências sociais e humanidades (artes, literatura, etc.). Precisa destruir a história para a construção de uma falsa narrativa onde os torturadores e homicidas são heróis.
A violenta e moralmente duvidosa colaboração premiada vai ganhar uma nova parceira de tortura: a autoincriminação, clara violação da Convenção de San José da Costa Rica (proibição da produção de provas contra si mesmo) e do princípio do devido processo legal, consagrado tanto pela Constituição/1988 como pela Declaração de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Em todos os países onde o método da autoincriminação foi utilizado, demonstrou-se um fracasso processual e ético, além de porta aberta para abuso de poder e tortura. Afinal, o que é preferível, ficar preso cautelarmente durante vários dias ou assumir a culpa e uma pena restritiva de direitos que não lhe impedirá de trabalhar, mesmo sendo inocente?
A autoincriminação é uma forma de estigma, assim como a criação de bancos de dados genéticos criminais de pessoas que sequer foram julgadas pela justiça. A simples prisão (especialmente se considerarmos que 40% dos presidiários brasileiros estão presos ilegalmente), não legitima o registro criminal de uma pessoa, pois todos são inocentes até que se prove o contrário. Logo, a apreensão de dados genéticos e pessoais em bancos de dados criminais é uma violação dos direitos constitucionais à liberdade, à honra e à intimidade.
Por fim, e não poderia ser diferente, além de legitimar mortes cometidas pelo estado e abuso de poder, Sérgio Moro tenta validar os seus próprios erros. Prova mais evidente do reconhecimento da ilegalidade de 25% das prisões que compõem o nosso sistema carcerário é a tentativa de restringir por lei a validade de dois recursos que são constitucionais: o especial e o extraordinário.
Estamos tratando das prisões ilegais de pessoas condenadas em segunda instância com pendência recursal. A proposta carece de base constitucional, assim como aquela que permite a retroatividade da lei penal. Nem Himmler foi tão longe na sua sanha pela eliminação de adversários políticos, ideológicos ou raciais. As leis nazistas criaram a estigmatização de pessoas, mas não limitaram o devido processo legal. Para isto, se utilizavam de sentenças fraudulentas em tribunais de exceção. Moro tenta ir mais longe, tentando legalizar os seus próprios abusos.