A agonia dos sentimentos
.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.
Costumo chamar o nosso período contemporâneo de “sociedade do silêncio” ou “sociedade dos corações silenciados”. Parece uma ironia, pois nunca tantas vozes tiveram espaço com o crescimento dos movimentos identitários, com a globalização das palavras pelas redes sociais, pelo aumento sem precedentes das tecnologias de comunicação. Mas será tudo isto uma verdade?
Pergunto: se hoje temos tanto acesso mecanismos de diálogo, por que as pessoas vivem tão solitárias, por que a depressão é o mal do século XXI, por que tamanha dificuldade em estabelecer relações sólidas com o outro, por que tanto medo de expor nossos sentimentos aprisionados?
Na verdade, a prisão das emoções sempre conviveu com os seres humanos, em maior ou menor grau. As ditaduras e os movimentos totalitários do século XX foram momentos de silenciamento massivo. Muitas comunidades e povos também conviveram, depois da colonização iniciada na século XV, um processo de invisibilização da sua existência.
A família patriarcal burguesa sempre silenciou as mulheres. Portanto, a imposição do silêncio é uma forma de dominação e aqui começamos a encontrar parte das nossas respostas.
Hoje vivemos em um mundo que presa pelo sucesso rápido, pela adaptação aos interesses dominantes, pela artificialidade das relações, pelo menosprezo das emoções. Por mais que falemos em identidade, o mundo molda a universo de aparências que seja compatível e condizente com o mercado.
Fico pensando, quantas vezes já fui criticado por escrever poesias e por expor publicamente as minhas posições políticas. Falar de emoções, então, uma das minhas obsessões científicas, é um convite ao menosprezo.
Existem explicações, sim, elas existem e demonstram que na nossa sociedade o espaço para identidades e mais aparente do que real. Ele é aceito como marketing, mas é superficial e sofre limitações gigantescas. Quando aprofundamos as discussões, os rótulos e a crítica à radicalidade surgem como primeira arma de bloqueio.
Homens ainda são proibidos de ter emoções. Se no Romantismo dos séculos XVIII e XIX isto era visto como símbolo de erudição para uma burguesia ascedente, hoje é um pecado mortal. As emoções são conformadas como um atributo exclusivamente feminino e, portanto, “secundarizadas”.
Não existe forma mais escandalosa de dominação e apologia ao poder do patriarcado do que o bloqueia ao afetivo e ao emocional. Não porque as mulheres sejam dominadas pelas emoções, mas ao contrário, para a imposição de um arquétipo, de um rótulo e para impedir o avanço feminino na sociedade.
O sucesso de frases como “os Homens são de marte [a guerra, a violência] e as mulheres são de Vênus [o afetivo, o emocional]” prova o quanto ainda precisamos evoluir.
Mas as emoções, onde elas se posicionam? Elas são bloqueadas, secundarizadas, esquecidas como um obstáculo ao domínio do sucesso. Sim, o mundo da concorrência e do mercado é um espaço conformada para a vitória de Marte. É a guerra e a violência no seu estado mais puro.
O desprezo pelo outro em benefício dos interesses monetários e do capital. É uma repressão ao afetivo, uma fonte contínuas de frustrações e de vazios existenciais.
O sucesso, nos moldes da sociedade da concorrência é acompanhado da depressão, do consumo crescente de drogas químicas excitantes, de ansiedade e de medicamentos. Estamos cada vez mais distantes dos espaços de convívio coletivo e da natureza e aprisionados pela mecânica da telemática onde reinam as aparências, a artificialidade. Em síntese, sufocamos as emoções e passamos a viver nosso silenciamento diário. Por isto tantos jovens cometem suicídio, especialmente nas sociedades concorrências de capitalismo avançado, sem sequer experimentar as primeiras relações afetivas fora do seio familiar tradicional.
Existe uma frase que viralizou na internet na obra do chargista Quino que, na verdade, não possui um autor reconhecido: “para onde vão os nossos silêncios quando deixamos de dizer o que sentimos”? Eu daria duas respostas: a primeira, e mais óbvia, para o universo contínuo de uma vida sem experiências verdadeiras. Já a segunda é uma consequência lógica desta, a vida em agonia dos nossos sentimentos e emoções.