A morte da verdade
.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.
Achille Mbembe, historiador e cientista político camaronês, decretou, em artigo no jornal britânico The Guardian em dezembro de 2016, a “morte do humanismo”. Naquela época afirmou de forma peremptória: “Não há sinais de que 2017 seja muito diferente de 2016. Sob a ocupação israelense por décadas, Gaza continuará a ser a maior prisão a céu aberto do mundo”.
Mais adiante aborda a violência do racismo policial estadunidense, a guerra de terror imposta pela destruição do planeta, a orgia da fome espalhada pelo capitalismo financeiro, a emergência do ódio como última fronteira do humano.
Tomar Israel como ponto de partida é uma medida lapidar. Criado pela Assembleia das Nações Unidas de 29 de novembro de 1947, como um possível refúgio para as vítimas apátridas do nazismo, o país invadiu a Palestina tornando a região em verdadeiro campo de concentração, tal qual Auschiwtz-Birkenaw ou Dachau, verdadeiras máquinas de produção de cadáveres em escalas. A violência de Israel contra os Palestinos e os bombardeios cegos contínuos contra Gaza, são a prova absoluta de que a cultura da violência só produz mais violência.
O que mais pretendemos matar? O Planeta? Este vem sendo envenenado sistematicamente pela poluição e pela ganância. A sua morte encontra-se em contagem regressiva dadas as aceleradas mudanças climáticas.
A Democracia? Também foi fulminada pelo crescimento da xenofobia e de governos neoliberais que trocaram a vida por números. Os EUA, em 2016, e o Brasil, em 2018, já deram provas de que o povo é capaz de cometer suicídio quando se apega ao medo, ao preconceito e à mentira.
Isto já havia acontecido com a Alemanha na década de 1930. Logo, não temos surpresas. O Direito, então? Este morre com a democracia, tentou renascer várias vezes como Fênix, mas a sua morte é um processo contínuo de repetições.
E Deus, a resposta para os limites dos seres humanos? Bom, este, pelo menos no Ocidente, morreu quando controlado pelos “vendilhões do templo”. O comércio da fé é o pior símbolo de destruição da dignidade humana, pois afeta o sagrado, aquilo que guardamos de mais íntimo, por isto é uma morte violenta. Já matamos Deuses e Deusas diversas vezes com os genocídios colonialistas, desta forma, a nossa espécie já possui experiência.
Não é nenhum exagero afirmar que em cada uma destas mortes o ser humano, como espécie, mata a si mesmo. Nada consegue sobreviver ao cataclismo de destruição que estamos colocando em prática. Embora o visionário Giordano Bruno acreditasse em reencarnações, ele mesmo foi queimado em Roma, no ano de 1600.
E aqui talvez possamos encontrar a última morte decretada, a da “verdade”. Ela insiste em resistir, se escondendo em cada canto que encontra. Fugiu do gueto, quando necessário, do campo de concentração, dos Tribunais do Santo Ofício, tornou-se expert em camuflagem. Mas não tem jeito, os seres humanos descobriram a tecnologia perfeita para matá-la…