.Por Luís Fernando Praga.
Apesar da pistola automática e do revolver 38 envolvidos no evento, o curto e grosso, aqui, sou eu. Venho discorrer sobre os assassinatos de quatro pessoas, seguidos do suicídio do assassino, ocorridos ontem (11/12/2018), numa igreja em Campinas.
Foram 5 pessoas que deixaram de existir, algumas famílias duramente golpeadas pela vida, uma cidade traumatizada, uma sociedade perdida, insegura e confusa.
Não há dúvidas de que outros assassinatos ocorreram ontem na cidade, uma grande metrópole, mas este, por ter atingido pessoas brancas, religiosas e distantes da linha da pobreza, causou maior comoção e repercussão midiática.
No carro, voltando do trabalho, ouvi, na rádio campineira que toca notícia, afiliada ao sistema globo de rádio, três pronunciamentos em sequência a respeito dos assassinatos. Três “especialistas” explicavam o ocorrido e orientavam a sociedade campineira sobre as devidas providências a serem tomadas a partir de agora. Os três eram padres (ou bispos, vigários, sei lá) atuantes em Campinas; um deles era o que realizara a missa, momentos antes dos assassinatos com arma de fogo.
Todos foram unânimes em afirmar que era uma lástima e uma dor terrível. Todos julgaram o assassino como “um homem que havia abandonado Deus ao ouvir a voz do mal naquele momento”. Todos foram unânimes em afirmar que a sociedade campineira, unida em oração, iria superar essa desgraça, em nome de Deus. Todos foram unânimes em afirmar que não há como evitar tragédias isoladas como essa. Todos foram unânimes em afirmar que, agora, não há nada a fazer, a não ser rezar pelas vítimas e por suas famílias…
*Interrompo o texto para lembrar que alguém acaba de ser assassinado! Provavelmente um favelado, um preto pobre, uma criança, um LGBT ou uma mulher, talvez uma mulher negra, favelada e LGBT. Sim, temos uma média de 1 assassinato a cada 10 minutos no Brasil. Vamos orar!
Não resolveu para as 4 vítimas que oravam na igreja ao serem assassinadas pelo atirador branco e rico, mas vamos orar, que resolve!
Entretanto, sinto-me na obrigação de alertar para um enfoque além dos descuidos daqueles que se soltam das mãos de Deus a cada 10 minutos no Brasil.
E, se os “descuidados” andassem desarmados, ocorreriam assassinatos com armas de fogo? Sem querer afrontar as autoridades no assunto, parece-me que há mais o que fazer além de rezar.
O Brasil recordista de assassinatos acaba de eleger um homem, deputado da bancada da bala, com certeza apoiado pela indústria bélica, que pretende liberar o porte de armas para as pessoas direitas e com Deus no coração poderem combater o banditismo que assola o País.
A gente de Deus, onde se incluem católicos, protestantes e espíritas (representantes das três principais religiões brasileiras, todas cristãs) foi, estatisticamente, responsável direta pela eleição de um homem cujo projeto de governo é armar a sociedade. Lembro que, dentro das religiões de matriz africana, esse homem não teria sido eleito.
Apesar de ouvirem o “não julgueis para não serdes julgados” diversas vezes ao dia, a comunidade cristã brasileira, diferente da comunidade científica, além de julgar quem merece morrer, julgou que o militar era melhor que o professor.
O homem branco, rico e direito que assassinou 4 pessoas na Catedral Metropolitana de Campinas, também julgou que já era hora de assassinar aquelas pessoas, cujas vidas ele desprezava. E veja bem: não eram nem negros, nem pobres vagabundos miseráveis, nem gays, nem nordestinos e nem esquerdistas para merecerem ter suas vidas ceifadas por balas.
Apesar de ter sido um homem branco, rico, sem antecedentes criminais (ficha limpa, mesmo!) e visto pela sociedade campineira como um cara direito até ontem, eu não vejo justiça nem correção no julgamento feito por aquele assassino. Eu não vejo boa intenção em se liberar o porte de armas. Eu não vejo sobriedade ou racionalidade no julgamento das pessoas religiosas que elegeram o presidente fanático por armas e que prega o fim do estado laico no Brasil. E a cidade de Campinas contribuiu ativamente com essa eleição…
É aqui que vivo, num país onde a educação livre de dogmas religiosos, livre de preconceitos e plena de Ciência e de História está prestes a ser proibida e substituída pela educação da gente de bem, a educação que cria mais ovelhinhas “rezantes” para o rebanho do Senhor: a educação que cria eleitores para as bancadas da bala e da bíblia, a educação que cria o pior tipo de ignorante, o ignorante pretensioso, capaz de se achar tão superior aponto de poder acabar com as vidas de quem ele julga merecer a morte.
Vivo no país das pessoas que elegeram um fascista e agora oram para que as famílias dos assassinados numa igreja não sofram. E eles dizem que a Marielle fez por merecer…
Vivo, o tempo todo, sob o ódio social de uma sociedade assassina, com vontade de punir e matar, mas sem qualquer afinidade com a justiça.
Transito pelas ruas cercado de uma gente cujo desejo íntimo é ter o direito de matar alguém, uma gente, hoje, empoderada em sua prepotência, empoderada em seu julgamento preconceituoso, empoderada em sua gana de castigar e oprimir; empoderada, agora, pelo próprio presidente da república, em sua violência, em sua hipocrisia e em sua ignorância.
Enquanto a população religiosa e o número de assassinatos só crescem no Brasil; enquanto a população que elegeu o fascista se prostra em oração a fim de aliviar as dores das vítimas e clamar que Deus castigue o assassino; enquanto eles, orando hora após hora, se cegam para os assassinatos que ocorrem a cada 10 minutos; enquanto orar é tudo o que eles podem fazer num momento como este, eu ainda amo a vida, admiro a Ciência que me abre os olhos e abomino, em 100%, todos os assassinatos e suicídios.
No país em que vivo, mesmo estando muito distante dos mais carentes de justiça social e da assistência do estado, eu também já me tornei parte de uma minoria oprimida.
Oprimido sim, acovardado, hoje, não! Há muito a ser feito, há uma consciência de paz a ser criada no seio de nossa sociedade; há a necessidade da tolerância; há a necessidade da educação científica, humana e libertadora; há a necessidade da reparação de gravíssimas injustiças históricas, muito mal escondidas por trás de uma hipocrisia já escancarada!
Deixo, ao final dessas linhas, minha dor e minhas lágrimas; deixo meu respeito e meus mais nobres sentimentos às famílias das vítimas de cada um dos assassinatos que ocorrem a cada 10 minutos no Brasil; e, respeitosamente, deixo minha total falta de esperança de que alguma oração possa resolver uma ferida social tão profundamente enraizada.
Desejo é a mais pronta recuperação a todos os sobreviventes dessa tragédia e que coisas como esta nunca mais aconteçam, apesar de ter a consciência de que elas tendem a ocorrer mais e mais.
Diante disso, só prometo uma coisa: não vou rezar por ninguém! Não por descaso, muito pelo contrário, é por acreditar em outras ações, realmente transformadoras, talvez menos cômodas, mas muito diferentes da tão aclamada “reza”. Além disso, não tenho a menor intenção de me assemelhar aos tantos, que tanto oram e depois se alimentam de ódio, exalam ódio, semeiam ódio, a exemplo do novo presidente do Brasil.