.Por Alexandre Oliva.
Escrevo estas linhas quando os resultados das eleições começam a ser divulgados. Não pretendo com isso reclamar dos resultados, nem creio que seja de meu interesse colocá-los em dúvida (atualização: esperança de virada frustrada), mas é preciso alertar a todos sobre os riscos que corremos.
O TSE pode até achar o sistema seguro, mas as medidas de segurança exigem confiança cega no TSE, o que não é compatível com um sistema eleitoral seguro e democrático. Além disso, os magistrados que o dirigem exibem desconhecimento básico de tecnologia, o que abre espaço para introdução e exploração de falhas por seus subalternos, mas a premissa inquestionável de que o sistema é seguro não nos permite investigar ou superar esses problemas.
Nosso sistema eleitoral, motivo de ufanismo e fé cega propalada pelo TSE, é dos mais inseguros do mundo. A urna eletrônica e o processo eleitoral como um todo, da forma que a fizemos e utilizamos, é praticamente à prova de prova de fraude.
Isso tudo já foi discutido e apresentado à exaustão e muita gente já entende e compreende as dúvidas que pairam sobre nosso procedimento eleitoral, mas o TSE insiste que o processo é seguro e confiável. Como alinhar essas ideias tão diametralmente opostas? É isso que quero trazer ao debate.
Um sistema eleitoral democrático deveria ser concebido para que qualquer eleitor possa confiar e, mais que isso, verificar que seu voto seja contado e permaneça secreto, e que o resultado reflita de forma confiável os votos de todo o eleitorado.
Essa premissa não é e não tem como ser garantida por um sistema de votação que exige fé cega em sistemas computacionais inauditáveis por terceiros e em procedimentos manuais que não são levados a cabo por anjos.
Foquemos na urna: ela poderia ser programada de modo a desviar votos e a se reprogramar, sem deixar rastros, ao final da votação. Como sabemos que não é? Não há como avaliar, apenas observando seu comportamento do ponto de vista de um eleitor, se o seu voto é contado, nem se ele é corretamente refletido no boletim final da urna. Ainda que a programação das urnas estivesse disponível para auditoria (não está), não seria possível ao eleitor verificar que a programação auditada é efetivamente a que está executando na urna no momento da votação: as medidas de segurança para tentar oferecer tal garantia, que provavelmente existem, de assinaturas digitais a lacres físicos, podem satisfazer aos requisitos de confiabilidade para que o TSE confie que as urnas se comportam conforme desejado, mas não para suprir confiança ao eleitorado.
Sem que um eleitor possa se assegurar, pessoalmente, de que a urna está executando a programação pretendida (e não há, tecnicamente, forma de oferecer tal garantia), é necessário algum meio adicional, lateral, para que o eleitor possa confiar que seu voto é computado corretamente. Existem medidas nesse sentido: votações simuladas, paralelas, ocorrem em ambiente controlado, para verificar que a urna conta corretamente os votos nela registrados. Como pode um eleitor, porém, saber se a urna selecionada para eses fim não tem uma programação diferente, esta confiável? Não há como!
Eu tinha ouvido dizer que a eleição simulada ocorria no mesmo dia e horário da eleição, e que isso seria importante para que a urna não tivesse como saber que estava participando de uma simulação, já que sua programação poderia tentar reconhecer essa situação e se comportar de forma a disfarçar desvios que outras urnas, com a mesma programação, fariam na eleição verdadeira.
Como confiar, porém, caso a eleição simulada seja feita na véspera, como foi relatado este ano? A urna pode até ter tido data e horário ajustados para não saber que participa da eleição simulada, mas ela não poderia “lembrar” desse ajuste e se comportar de forma diferente? Ela não poderia “escutar” a hora das redes celulares ou sem fio ao redor e usar essa diferença para decidir como se comportar? Ah, mas a urna não tem receptor de sinais de celular nem de WiFi! Mas e os cartões de memória, que carregam sua a programação e gravam os resultados, não poderiam ter um dispositivo adicional que, quando presente, alertariam a urna para não desviar votos? Cidadãos não têm como fazer essas verificações, o que novamente aponta para a necessidade de “anjos” tomando parte do processo, isto é, de confiança cega por parte dos eleitores, enquanto, do ponto de vista do TSE, todo esse tipo de fraude pode estar devidamente amarrado e impedido.
Para garantir a possibilidade real de recontagem dos votos, a posteriori, seria necessária a impressão dos votos, com confirmação do eleitor antes de o voto ser depositado na urna. Sistemas modernos e seguros de votação usam registro eletrônico de votos em papel, com possibilidade tanto de leitura humana quanto automática, de modo que o eleitor possa “gerar” seus votos em papel e, uma vez devidamente verificados, submetê-los para contagem e armazenamento em urna.
Foquemos agora no processo de totalização. Jamais houve auditoria pública ou mesmo testes públicos do sistema de totalização, o que recebe os boletins de urna, em forma eletrônica ou não, lembrando que pode haver necessidade de substituição de urnas e utilização de votos em papel.
Os boletins de urna recebidos por esse sistema são publicados, mas não há, nos procedimentos eleitorais, verificação de que o boletim impresso pela urna coincide com os dados submetidos para totalização e publicação pelo TSE. Caberia aos fiscais dos partidos e aos eleitores fazer tal fiscalização. Quantas urnas são fiscalizadas desta forma?
O TSE dispõe dos registros de acesso aos boletins de urna publicados. Haveria, aí, mais um caminho possível para fraude: desviar votos em boletins de urna que não tenham sido acessados, portanto, não fiscalizados. Caso posteriormente sejam apontadas divergências, por exemplo, fiscais registrando fotograficamente os boletins de urna impressos, mas não acessando o boletim eletrônico, criando assim uma arapuca para tal fraude, a quem recorreriam? Ao próprio TSE, que historicamente pretende sustentar a suposta confiabilidade do sistema eleitoral. Como sustentaria a confiança da população se reconhecesse a mera possibildade de fraude? Novamente, não estamos lidando com anjos, portanto, sem suposição de malícia por parte dos participantes do processo, vejo mais provável que se colocasse em dúvida a evidência de fraude apresentada, do que a fiabilidade do sistema tido como infalível.
Lamentavelmente, não é possível crer que os magistrados responsáveis pela condução do processo entendam os processos computacionais envolvidos na contagem, registro e totalização dos votos e, mais importante que isso, as potenciais vulnerabilidades nos processos e equipamentos utilizados. Ora, se insistem até mesmo na falaciosa ideia de que adiar o horário de verão evita a necessidade de reprogramação das urnas entre os turnos, que faz deles motivo de galhofa entre profissionais de computação que entendem como computadores medem o tempo e que a “hora local” é algo calculado a partir do número de segundos decorridos a partir de um certo instante no passado, utilizando tabelas que configuram as regras do fuso horário local, de distância para a hora de referência mundial e instantes de entrada e saída de horário de verão. Entendido isso, é a mudança de regras, não a entrada ou saída de horário de verão, que exige reprogramação. Os meritíssimos acadêmicos do direito ou não entendem isso eles mesmos, ou se valem da ignorância da população sobre esse tema para reforçar a aura de suposta infalibilidade dos sistemas eletrônicos.
Como, então, atender ao pedido dos “anjos” que conduzem o processo, para que lhes entreguemos total confiança, se não demonstram conhecimento de causa nos pontos mais básicos? Se falham nesse ponto, em que outros pontos podemos estar vulneráveis, enquanto os acadêmicos do direito que conduzem o processo se fiam em especialistas que os aconselham, sem porém nos permitir verificar todos os passos?
Um sistema eleitoral que não é compreensível e verificável pelo cidadão comum tampouco é compreensível e verificável por um magistrado do direito, e nos sujeita não só à insegurança que a dúvida traz, mas a abusos e fraudes por parte de especialistas e procesoss internos nos quais os magistrados podem estar depositando demasiada confiança, não por má fé, mas pela falta de conhecimento que publicamente demonstram.
Numa democracia confiável, os questionamentos quanto à confiabilidade dos procedimentos eleitorais e quanto às medidas de combate às fraudes seriam bem-vindas e respondidas com transparência, não com punições por litigação de má-fé. A supressão do dissenso da linha oficial, de que o processo é indubitavelmente confiável, só faz alimentar a suspeita de que a confiabilidade não se sustenta, é mero tema de propaganda, e que, se há necessidade de propaganda, interesses também há. Sistemas informáticos confiáveis se controem não pelo segredo, mas pela transparência e robustez dos processos, que, mesmo eles sendo conhecidos a fundo por potenciais adversários, permanecem robustos. Infelizmente, em nossa cultura, duvidar da robustez que daria confiabilidade aos procedimentos se confunde com questionar a honestidade dos responsáveis pelos processos.
Para não me alongar demais (resultados já começam a ser divulgados), não vou entrar no mérito da necessidade de conectar o identificador de digitais ou o teclado em que se registra o número do título à urna em que se registram os votos, receita para comprometer por projeto o segredo do voto; na divulgação de informação pessoal de eleitores, pelo TSE, através de aplicativos de celular, ou da confiabilidade de se apresentar uma tela de celular (programável para apresentar qualquer coisa) para poder votar mesmo que o sistema biométrico não reconheça o eleitor, ou de usar um dispositivo de rastreamento altamente poroso (o celular) como parte de um sistema que deveria preservar o sigilo do voto e que sequer deveria saber quem está votando.
Boa ciência, inclusive a de processos eleitorais, não se faz pela fé cega, pelo ufanismo barato e desinformado, nem pela exclusão de possibilidades de investigação e questionamento. Infelizmente, por ora, é esse o descaminho no qual vamos sendo conduzidos. Resta a nós demandar e torcer para que se iluminem as mentes dos responsáveis e que se tornem robustos, límpidos e transparentes os hoje obscuros e malcheirosos procedimentos eleitorais.