É possível fugir das emoções?
.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.
Na retórica narrativa do mundo contemporâneo temos o mito do controle das emoções por meio de uma ciência racional. Os profetas da sociedade do sucesso chamam esta estratégia de “inteligência emocional”, método pelo qual os indivíduos administram os seus sentimentos, desejos, angústias visando um comportamento adequado aos padrões estabelecidos pela sociedade.
É evidente que muitas vezes as explosões emocionais são excessivas, patológicas, desconcertantes e destrutivas. Mas questiono o quanto deste resultado não é fruto de um processo contínuo de controle comportamental visando a aceitação pelo meio. Um ser humano aprisionado, cercado contra a parede pelas rédeas dos padrões é presa fácil a comportamentos atávicos, ainda mais quando a própria sociedade lhe transmite mensagens contraditórias como se tudo pudesse ser alcançado pelo mero esforço individual, que o sucesso é fruto da busca contínua por resultados, mas para tanto devemos controlar as nossas emoções.
A destruição do afetivo e a sua substituição pela lógica do racional é um caminho para desumanização do indivíduo, transformando este em peça administrada. Já destaquei em oportunidades anteriores que uma das respostas oferecidas pelo modelo racional dominante às frustrações é o “hedonismo sancionado”, uma busca de prazer contínuo regido por regras estreitas, horários e espaços delimitados, como em eventos luxuriantes. Neste universo de liberdades controladas tudo é possível, inclusive a violência do mais forte diante daqueles que se encontram em condição mais vulnerável. Quando este sistema de controle falha, ainda mais dentro de uma “sociedade que naturaliza absurdas desigualdades afetivas e de gênero”, os resultados são trágicos.
Entretanto, o que mais se evita no âmbito das discussões afetivas é que estão são derivadas de uma construção coletiva, são resultados de uma interação social. As emoções são relacionais, são o resultado do intercruzamento entre a nossa individualidade primitiva e a socialização com os demais indivíduos. Não existe uma inteligência emocional como resultado de um esforço individual, mas um equilíbrio emocional que é resultado do nosso processo de interação com meio onde vivemos.
Quando isto não acontece, temos o sofrimento a frustração, razão pela qual o “amor platônico” é uma metáfora masoquista. Dá mesma forma, esconder desejos, sentimentos, emoções apenas para conseguir aceitação social (ou familiar) é uma forma de autodestruição. Nenhum relacionamento sobrevive apenas pela vontade de uma das partes, ainda mais quando submetido a regras rígidas de comportamento. Quando o controle passa a se sobrepor a qualquer espaço de liberdade, é prova de que o relacionamento está morto ou a caminho da morte.
As emoções são parte importante da nossa individualização e nos acompanham desde o nascimento. Querem escondê-las ou fugir destas só pode resultar em frustrações, mesmo que a sociedade tente impor o descarte do emocional como peça fundamental para o sucesso individual. Deixar de viver tais emoções e sentimentos, por mais efêmeros que venham a ser, apenas para atender às exigências superiores dos resultados, na maior parte das vezes acaba cobrando um preço muito mais caro adiante, inclusive em relação ao aprendizado. Afinal de contas, a nossa existência neste universo consiste apenas em “instantes” que nunca voltam atrás.
Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e mestre em Ciências Sociais e mantém o blog Sustentabilidade e Democracia.