Na semana passada, o presidente argentino, Maurício Macri, anunciou a ida do país ao FMI para conseguir adiantamento de um linha de crédito que totaliza US$ 50 bilhões. O que era para servir como uma espécie de resgate da confiança na econômica do país alarmou ainda mais o mercado e toda a população. A última vez que a Argentina recorreu ao fundo foi em 2003, na esteira da pior crise econômica e política que eclodiu em 2001, quando o país teve cinco presidentes em doze dias.
Agora, o peso já desvalorizou mais de 50% em relação ao dólar desde o início do ano, a taxa de juros foi elevada para 60% e a inflação ultrapassa os 32% anuais, extrapolando uma das metas fixadas junto ao próprio FMI. Para o economista argentino Ramon Vicente Garcia Fernandez, professor do Centro de Engenharia e Ciências Sociais (CECS) da Universidade Federal do ABC (UFABC), o ano de 2018 “marca a maior crise desde 2001”.
“Pegou de surpresa todo mundo. As pessoas pensavam que as contas podiam estar mal, mas a decisão dele de ir ao FMI realmente chocou o país. A ida, ao mesmo tempo que serve para resgatar a confiança, destrói essa mesma confiança. Por outro lado, o FMI ainda impõe uma série de condicionalidades.”
Garcia Fernandez, que esteve em seus país natal, diz que, na última semana, por conta da volatilidade do dólar, algumas empresas chegaram a paralisar as vendas. “Simplesmente seguraram os estoques e estão esperando a tormenta passar”. Ele não é otimista, e prevê que a recessão deve se agravar nos próximos dois trimestres, ou mais, antes de parar de piorar.
“Na Argentina, o valor do dólar é fundamental. As pessoas pensam em dólar. A mudança da cotação é questão que se discute não só em roda de economistas, mas em uma roda de taxistas vai se estar falando também sobre quanto está o dólar. Os tomadores de preço muitas vezes pensam em dólares. A garrafa de vinho, por exemplo, não vendem a 100 pesos, mas a cinco dólares. Agora, são 200 pesos. Por outro lado, não se pode aumentar tudo loucamente, senão as pessoas não conseguem comprar.”
Para conter a alta da moeda americana, o Banco Central argentino vem queimando suas reservas internacionais, que são equivalentes a menos de 10% das reservas brasileiras, por exemplo. “Quando chegaram os primeiros US$ 15 bilhões do FMI, as reserva estavam em US$ 63 bilhões. Agora, já caíram para 51 bilhões, em menos de dois meses. Vai vir um pouco mais de grana do FMI, mas você não pode ter um país que continua sorvendo 10% das reservas por mês. Em dez meses, zerou.”
Segundo o economista, a Argentina tem um problema de contas externas que é “praticamente insolúvel”, agravado pelas políticas liberais de Macri, que retirou impostos também do setor exportador e agora teve que subir as tarifas, por indicação do FMI. “Liberaram todas as importações. Do lado da balança comercial quer dizer que, por mais que se consiga exportar, se está sempre tendo um problema que as importações estão inundando o país, reduzindo o espaço da indústria e da produção nacional.”
Por aqui, a imprensa tradicional vende a crise argentina como se fosse apenas um problema de confiança dos mercados, mas, segundo Garcia Fernandez, o buraco “é mais embaixo”. “Acho que tem um problema bem maior que isso. É o que os economistas chamam de ‘restrição externa argentina’, ou seja, o déficit de moeda estrangeira. A origem do problema é essa. Não é possível ter um país que fica se endividando para que as pessoas levem grana para offshore, passem férias em Miami ou comprem pirulitos importados. É um país inviável.”
Ele diz que até mesmo o choque no turismo contribuiu para a crise de falta de dólares, com toda a classe média alta indo de férias para Miami, e poucos turistas vindo para a Argentina. Soma-se a isso os argentinos que compram dólares para poupar em moeda forte, ou ainda os super-ricos, que evadem divisas em contas offshore. Com o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, essa combinação “faz com que a Argentina esteja precisando de dólares desesperadamente”, diz o economista da UFABC. “E esses dólares não vêm.”
Garcia Fernandez diz ainda que os cortes nos ministérios – Macri reduziu de 22 para 10, retirando o status de ministérios de pastas como Energia, Trabalho, Agroindústria, Saúde, Meio Ambiente, Ciencia e Cultura, dentre outros –, que devem resultar em uma economia de cerca de US$ 9 bilhões, segundo o governo, também não são significativos perante a totalidade dos gastos, e ainda podem aprofundar ainda mais a crise.
“Os cortes nunca são a saída porque o próprio corte aprofunda a recessão. O problema é que cortar o déficit significar reduzir o gasto público na economia. Isso implica em suspender obras”, explica o economista. Além da criação de emprego e renda, Macri chegou a idealizar um conjunto de obras públicas na periferia de Buenos Aires para conseguir apoio dessa população, que tradicionalmente vota com os peronistas. Agora já cortou oficialmente mais de 60% das obras pretendidas, e as outras enfrentam interrupções por falta de pagamento aos operários.
O economista diz que a situação social só não é mais grave devido aos programas sociais criados durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner – transferência de renda, como o Bolsa Família, e restaurantes populares, por exemplo – que servem como uma “rede mínima de contenção” do avanço da pobreza. Contudo, nos últimos dias, também foram registrados inclusive saques em supermercados, sinal de desespero de parte da população, que também fazem lembrar os tempos de 2001.
Até o presidente reconheceu, no mesmo dia em que anunciou a busca de um acordo com o FMI, que a pobreza, que atinge 30% da população argentina, deve aumentar nos próximos meses. “O número oficial deve sair daqui um mês. A pobreza está aumentando, só não se sabe o quanto”, diz o professor, que chama a atenção para a resposta da população no próximo dia 25 de setembro, quando as centrais convocam uma greve geral contra as medidas do governo Macri e o acordo com o FMI. “As pessoas estão muito insatisfeitas e a própria base do Macri está começando a se desmilinguir.” (Tiago Pereira – RBA)