As crianças e os adolescentes brasileiros estão entre as principais vítimas dos agrotóxicos no Brasil. Segundo dados oficiais, entre 2007 e 2014 foram registradas 25 mil intoxicações relacionadas a esses produtos, um dado que pode ser dezenas de vezes maior, dada à subnotificação das ocorrências. Desse total, 20% – 2.181 casos – têm idades entre 0 e 14 anos. Em estados como Minas Gerais e Mato Grosso, 30% das vítimas têm entre 0 e 4 anos.
“Os dados são chocantes quando a gente olha para o conjunto das intoxicações no Brasil e vê os dados por faixa etária. A gente tem no Brasil uma lei muito importante, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). E quando vê dados de agrotóxicos fica pasmo porque, em alguns estados, até 25% da população intoxicada é de crianças e adolescentes”, afirma a professora e pesquisadora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Mies Bombardi, autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia.
“Em estados como Minas Gerais e Mato Grosso, 30% do total de crianças e adolescentes intoxicados (343) tinha entre 0 e 4 anos, ou seja, ainda na primeira infância”, afirma.
Outro dado alarmante é que na faixa dos 10 aos 14 anos, a segunda maior causa de intoxicação por agrotóxicos no período foi a tentativa de suicídio. “São mais de 300 crianças e adolescentes no Brasil que tentaram se matar com agrotóxicos”.
Larissa também relata que pesquisas mostram que a exposição frequente a uma classe específica desses produtos – os organofosforados, que são tóxicos ao sistema nervoso central – provoca depressão que se aprofunda a ponto de a pessoa doente tentar tirar a própria vida. “O suicídio é a ponta da cadeia de um quadro tóxico encadeado pela exposição frequente”, diz.
De acordo com a professora, há 54 casos registrados de intoxicação por alimentos nesse período e 343 de bebês intoxicados. Entre as hipóteses para explicar a contaminação dos bebês estão o contato com os pais trabalhadores na agricultura e diretamente expostos a esses produtos, além da ingestão de alimentos com resíduos e também a exposição aos agrotóxicos durante pulverizações, principalmente aéreas.
“Nunca é demais lembrar que permitimos no Brasil limites de glifosato na soja duzentas vezes maior que o limite aceito na União Europeia. O glifosato é cancerígeno e a soja é usada em qualquer alimento industrializado. E no feijão, clássico alimento de norte a sul do país, temos índices do inseticida malationa quatrocentas vezes maior que o permitido na União Europeia. Se uma criança pesando dez quilos consumir em um dia 125 gramas de feijão e 125 gramas de arroz, dentro dos limites máximos permitidos, ela terá extrapolado em 12% o que o seu peso corpóreo poderia tolerar desse veneno, o malationa. Essa permissividade explica porque essas crianças teriam se contaminado”, diz. (Da RBA)