.Por Luís Fernando Praga.
Racionalmente, enquanto ser humano, não posso duvidar da humanidade de quem já desprezou metade dos seres humanos do Brasil, nem da humanidade de quem já demonstrou e demonstra ódio profundo por determinados seres humanos do Brasil e do mundo.
Não posso duvidar da humanidade dos que exigem uma “justiça” arbitrária e tirana para alguns, mas não querem que essa mesma “justiça” torta recaia sobre si próprios.
Mesmo que não vejam seres humanos, mas criaturas inferiores, naqueles a quem odeiam; mesmo que se orgulhem de seu ódio e de seus preconceitos, eu não devo seguir o exemplo da ignorância e deixar de tratá-los como seres humanos. Apesar de alguns discursarem e agirem de forma desumana, todos somos humanos e imperfeitos.
Entretanto, evidências amparam minhas dúvidas de que tais pessoas possam, um dia, deixar de odiar, deixar de tratar irmãos como inimigos e com asco, deixar de viver com medo de pobre, abandonar preconceitos incompatíveis com a vida em sociedade, deixar de se considerarem superioras a seus iguais, deixar de caluniar e difamar, deixar de ser massa de manobra para os detentores do poder (também imperfeitos, egocêntricos, odiosos e oportunistas seres humanos).
As evidências amparam minhas suspeitas de que, ao ignorarem a humanidade alheia, estão ignorando sua própria humanidade; e, ignorando o valor da vida dos outros, jamais darão o devido valor a suas próprias vidas.
As evidências mostram que muitos transmitirão ódios, medos, preconceitos e todo tipo de ignorância às suas proles.
As evidências mostram que inúmeros morrerão abraçados à ideia ignorante de que são superiores a outros, de que merecem mais que outros e de que isso lhes dá o direito de ofender, explorar, desprezar e privar outros seres humanos de direitos básicos.
As evidências históricas me dão o direito de supor que, dentre esses, que se julgam os “de bem” e que, de dentro de sua cruel ignorância, se acham mais filhos de deus que os outros, há uma multidão de “casos perdidos” no que tange à construção de uma sociedade mais livre, próspera e justa.
Dessa forma, como a minha vida é minha, as evidências históricas me permitem direcionar meus esforços, meus cuidados, minha voz, minhas ideias, minha poesia, minha prosa e a luta maior desta vida aos odiados, e não aos que odeiam; aos explorados e não aos que exploram; aos que questionam e se indignam com prisões arbitrárias promovidas pelo estado e não aos que as incentivam; aos golpeados, e não aos que golpeiam; aos excluídos dos planos do sistema, e não aos que são as armas de guerra do sistema.
Enfim, é racional que eu direcione meus esforços na vida aos que, naturalmente, não se misturaram àquela parte que despreza gente, que odeia fácil, que replica os discursos do ódio, do medo, da ignorância e do preconceito; àquela fração humana historicamente apinhada de casos perdidos no que diz respeito à evolução da sociedade.
Cabe aos que se encontram “mal acompanhados” e presos às amarras do preconceito e da vingança, adquirir a consciência e a coragem para migrarem, porque nós, meros humanos, receberemos a todos os que se perceberem como nós.
A nós, simples humanos que lutamos pela transformação social por acreditarmos que ela seja essencial à sobrevivência e ao bem-estar da espécie, só nos cabe construir o futuro, apesar dos que o destroem. Há muito o que construir, há muito em que se ter esperança, há muita beleza na vida de todos, até na dos que não enxergam beleza alguma, e há muito o que tornarmos ainda mais belo!
O exercício de tornarmos nossas vidas mais belas e nossa sociedade mais justa e equilibrada passa, necessariamente, pela valorização da liberdade humana e pelo surgimento de cada vez mais indivíduos conscientes de que não existe humano “mais humano” que outros, não há ninguém mais merecedor da preciosa liberdade que outros e não existe humano tão superior a ponto de se permitir colocar fim à liberdade de outro(s).
Não existe um humano mais merecedor de respeito que outros e não devem existir humanos detentores de luxos e privilégios enquanto outros ainda forem escravizados, privados do que é essencial a uma sobrevivência digna, entregando suas vidas à manutenção dos privilégios de uma elite acomodada.
Há milênios que alguns vivem e lutam por transformar, outros vivem e lutam por conservar, enquanto outros deixam de viver e lutam apenas por uma sobrevivência miserável dentro desse sistema injusto, criado pelos seres humanos imperfeitos de um passado remoto, baseado em dogmas antinaturais, impregnado de crenças improváveis e imposições tendenciosas, ao qual nos vemos todos atrelados ainda hoje.
Gastar nosso escasso tempo de existência com quem, evidentemente, não está pronto para se transformar, para se aceitar tão gente quanto todo mundo e para lutar contra o massacre social infligido a nossos irmãos, na verdade é tempo perdido, é um engodo do sistema, é mirar o objetivo errado, é um desperdício de vida; e isso, para quem ama a vida, é o caminho mais equivocado para os destinos mais ingratos: inércia e retrocesso.
Nossa transformação depende muito mais de nossa luta que de qualquer outra variável, e cada segundo na vida de quem se propõe a transformar o mundo num lugar melhor para todos deve ser de desobediência às convenções, entidades e pessoas opressoras das liberdades; nenhum segundo de nossas vidas deve ser perdido na condescendência para com a intolerância e os intolerantes; cada segundo deve ser vivido de forma a se exaltar o amor humano, a se dissolverem os preconceitos e a se promover o esclarecimento.
Devemos explicitar, a todo tempo, nosso posicionamento contrário à exploração e à submissão humana, contrário às guerras, às vinganças e à estruturação de uma sociedade baseada em castas e dominada por uma elite hereditária, tirana e ociosa, que se tornou a mais desumana das aberrações que já criamos.
Devemos, a cada agora, explicitar nosso posicionamento em prol das minorias oprimidas, da correção das injustiças e descalabros históricos que frutificaram em injustiças e descalabros que continuamos cometendo no presente.
Não nos pode restar um único vestígio do pensamento excludente. Não nos devemos beneficiar do prejuízo de ninguém nem de nenhum privilégio amparado na injustiça ou no preconceito.
Cada segundo na vida do ser humano questionador, transformador, esperançoso e amante da vida deve ser gasto no sentido de se contribuir para algum avanço rumo a esse horizonte dito utópico! Não nos devemos envergonhar por não concordarmos com quase nada nesse sistema cruel, por sermos marginais ao evitarmos o ódio e pregarmos o amor nem por vivermos em busca de utopias, pois elas só são utópicas para quem não as persegue. Para nós elas são as paisagens que faremos presentes no futuro da humanidade!
Caro articulista Luis Fernando, eu não conhecia esse site Carta Campinas, cujo link encontrei quase por acaso. Eu gosto dedicar algum tempo de navegação na internet tentando entender a mente doentia dessa direita tacanha existente no Brasil e também na busca de algum alento baseado em opiniões de pessoas que comunguem com meus pontos de vista quanto à necessidade premente de um país mais igualitário, justo e fraterno. Por rara felicidade, encontrei hoje a Carta Campinas, cujas ideias filosóficas são absolutamente condizentes com a minha maneira de pensar. Vocês são como gotas de água limpa em meio a um oceano podre e turbulento de mediocridade e de ódio gratuito distribuído nas redes e mídias sociais pela fina flor do fascismo tupiniquim, ódio este o qual é retroalimentado e repercutido por uma turba ensandecida e adestrada de acéfalos pobres de direita. Estes últimos formam, em minha opinião, a pior excrecência humana em meio à geral alienação política presente na sociedade brasileira. Por este motivo, não consigo vislumbrar, por ora, um cenário otimista no Brasil quanto à valorização dos princípios humanitários defendidos em seu texto. Mas aqueles que pensam como nós pensamos não podem se dar ao luxo de se omitir. Devemos lutar, expor nossas ideias, confrontar o fascismo, mesmo sendo incompreendidos e injustiçados até mesmo por familiares e amigos. Como nos ensinou o grande Che, mesmo sem perder a ternura, devemos sempre “combater o bom combate” em prol dos nossos ideais.
Olá, Paulo! Que bom que encontraste o Carta Campinas e vice e versa. Fico muito feliz que o texto tenha te tocado, que te pareça diferente do convencional e que lembre uma gota d’água límpida diluindo um pouco todo esse pensamento fascista que se espalha pelo mundo. Que a aproximação natural dos que lutam pelo fim da exploração humana, pela justiça social e pelos direitos e pela dignidade humana gere a tão necessária união de que um país livre da escravidão e do fascismo carece. Mesmo que não vejamos resultados imediatos ou que esses sejam maquiados pela mídia golpista, só a nossa luta trará algum transformação para o futuro! Persistência, coragem e luta sempre! Grande abraço!