O tema “A Literatura Brasileira na Ótica dos Escritores Negros” será colocado em pauta no evento que reúne o lançamento dos livros dos escritores Fausto Antônio e Plínio Camillo e roda de conversa com os autores, além da participação de Junião (cartunista e ilustrador da obra “No Reino das Carapinha”), Marciano Ventura (editor da Ciclo Contínuo) e da professora Natasha Magno, aluna do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Unicamp. A atividade é aberta ao público e acontece nesta sexta-feira, 22, a partir das 19h, na Biblioteca Pública Municipal Prof. Ernesto Manoel Zink.
“Trazer escritores negros e sua produção literária para o proscênio de nosso debate cultural é evitar a perpetuação da exclusão cultural e incorporar no nosso universo o imaginário estruturante E o referencial cultural das tradições afro-brasileiras, tematizando as perspectivas dos valores de quem vivencia e se debate em nosso cenário cultural, contornando o viés único dessa cultura européia, etnocentrista e colonizante”, afirma o especialista cultural e curador do evento, Ronaldo Simões Gomes (Batata).
Segundo ele, a literatura produzida por autores negros costuma receber um trato das tradições literárias brasileiras que os condena à escolha por duas alternativas: submeter-se a um processo institucionalizante de branqueamento, onde as temáticas próprias do processo cultural da população negra são relegadas, como bem mostrou o escritor Machado de Assis, ou serem reduzidos a um gueto onde falam apenas para seus pares, como Lima Barreto e Solano Trindade.
“A farta produção poética da comunidade negra, realizada através de suas tradições orais e musicais, é desconsiderada no debate do campo da produção poética da literatura brasileira. Cartola, Ataulfo Alves, Paulinho da Viola, Itamar Assunção, para citar alguns dos muitos que contribuíram para a configuração de uma poética popular, não são considerados como partícipes do que se deva levar em conta nas avaliações críticas de nossa teoria literária”, reflete.
Sinopses dos livros
“No Reino das Carapinhas” (por Heloisa Pires Lima)
O livro “No Reino da Carapinha” oferece elementos de muita qualidade para o imaginário dessa faixa etária em formação. O humor será uma estratégia a desafiar curiosos irrequietos. Também as imagens poéticas cativam. Mas, a qualidade singular do projeto está na arquitetura que alude o reino das águas claras, de M. Lobato. Porém, da interlocução muito bem realizada, resulta o alto valor das carapinhas. Como um fio da navalha, preciso no corte de nada aquém e nada além, Fausto Antônio inverte a posição desprestigiada dos personagens negros, tão marcada nas obras do escritor consagrado. Desta vez, o reino, ou aldeia ou república vai deixando pistas que referem figuras ou acontecimentos históricos relacionados à população negra.
Esta passagem entre informar, aludir e encaixar a referência na fluidez do texto têm, da mesma forma, muito acerto. Sobretudo, por não recair no didatismo que interrompe a fantasia. Trata-se de uma aventura bem estruturada e dimensionada em aspectos filosóficos, linguísticos, históricos. Porém, com a singeleza e a alegria de um texto delicioso. Fisgado pela trama o leitor irá conhecer o nome do personagem só quando ele entrar na história. E se divertirá com a hábil sonoridade executado na pena do tin tin por tin tin.
E nada mais atual do que o assunto das carapinhas. Tema representativo da inversão cultural necessária à eliminação de racismos naturalizados é quando o ponto de virada da vulnerabilidade empodera o sentimento de pertencimento. Há uma demanda alta por materiais de apoio à questão. E como é importante a garantia de escritore(a)s negros estarem nas estantes para serem descobertos para uma leitura.
“De Rua” (pelo professor José Sérgio Fonseca de Carvalho)
Na literatura de Júlio e de Plínio, urdida no entrelaçamento da experiência de ambos como educadores de rua com a paixão comum pela escrita, as narrativas recriam histórias singulares de adolescentes que, pelas mais diversas razões, fazem da rua a sua casa e da cidade o local de seu trabalho e sustento. Nelas nos deparamos com jovens que têm e despertam desejos; que matam e que são mortos. Gente que só queria “bater um rango” e dançar no Asa Branca; ter um filho, vingar-se do pai. Gente que gosta de contar e inventar histórias. Histórias que muitas vezes se calam no desaparecimento precoce de seus protagonistas, mas que noutras se reinventam na conversão religiosa loquaz ou no casamento que os encerra numa vida “normal”.
E assim, nas narrativas de Plínio e Júlio, aqueles que poderiam jamais passar de um amontoado de “ninguéns” perambulando pelas ruas se convertem em pessoas que partilham nosso mundo, que experimentam os mesmos medos, as mesmas paixões e inseguranças de cada um de nós. Não é à toa que a maior parte dos contos aqui publicados portam o nome de alguém. Eles nos falam de jovens que portam armas, mas têm medo de injeção. De outros que desaparecem sem deixar traços nem dizer adeus, mas também dos que esperam inutilmente pela visita de suas mães ou preferem esquecer como são seus pais para deles se aproximarem novamente. Elas nos aproximam desses jovens dos quais nos distanciamos nas ruas. E o fazem sem reduzi-los a uma patologia social a que supostamente teríamos acesso esquadrinhando causas, apresentado estatísticas, perquirindo correlações.
“Outras Vozes” (pelo autor Plínio Camillo)
Esta obra embaralha ficção a fatos reais, em 33 contos, e dá ao negro do período escravocrata uma voz dissonante, situando-o como protagonista, ora o oprimido, ora o opressor. Temas sobre os quais pouco se fala na historiografia oficial, como a inúmera presença de negros muçulmanos na Bahia, são tratados de forma bastante original.
Em narrativas que muitas vezes flertam com a sonoridade do poema, Camillo transporta o leitor para variados cenários e enredos, desde a vinda nos navios negreiros e o trabalho nas fazendas, passando pelos “negros de estimação”, até os alforriados que trabalhavam nas cidades.
O autor conta que pesquisou por cerca de 20 anos livros e documentos sobre a escravidão. Diz ter encontrado muitos textos importantes, mas nenhum deles trazia o negro como protagonista de sua própria história. “Era apenas a imagem estereotipada do vitimizado em busca de liberdade”, comenta. (Carta Campinas com informações de divulgação)
“A Literatura Brasileira na Ótica dos Escritores Negros”
Lançamento de Livros:
“No Reino da Carapinha”, de Carlindo Fausto Antônio, com ilustrações de Junião, Editora Ciclo Contínuo, 2018.
“Outras Vozes”, de Plínio Camillo
“De Rua”, de Plínio Camillo e Júlio Dias
“Bombons Sortidos” (10 libretos), com trabalhos de Plínio Camillo
Roda de Conversa: participações de Fausto Antônio, Plínio Camillo, Junião (cartunista e ilustrador do livro “No Reino das Carapinhas”), Marciano Ventura (editor da Ciclo Contínuo) e da professora Natasha Magno, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.
Quando: 22 de junho, sexta, às 19h.
Onde: Biblioteca Pública Municipal Prof. Ernesto Manoel Zink (Av. Benjamin Constant, 1633.Centro. Campinas).
Entrada gratuita