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O Duña profetiza

.Por Marcelo Sguassábia.

Foram anos e anos de sumiço. Uma ausência que causou desalento e tentativas de suicídio a um número incalculável de discípulos, espalhados pelos quatro cantos do Tocantins.

Mas eis que sem mais aquela surge o Venerável Duña, de carona em um treminhão de cana e anunciando, à sua passagem, a visão profética que teve e que ansiava por partilhar com a humanidade.

À falta de púlpito, o iluminado teve que trepar em um cupinzeiro para fazer sua pregação. O improviso, entretanto, em nada diminuiu a importância da revelação e o tom solone em que foi proferida.

Assim falou a divindade a seus pupilos e às centenas de curiosos que se acotovelavam pelo pasto, estapeando-se por um lugar onde a abençoada visão do Duña pudesse ser melhor apreciada:

– Vivemos uma era marcada por perversa inversão de valores. Morais, éticos, religiosos, filosóficos e, porque não dizer, gastrointestinais. Afazeres que, até outro dia mesmo, eram inerentes aos idosos, hoje disseminam-se feito tiririca entre a moçadinha das raves. É disso que trata a revelação que trago, ou melhor, a profecia.

Mais ou menos nesse ponto do sermão, um desafeto de outra seita arremessou, na luzidia testa do mestre, três ovos de sanhaço gorados. O incidente não calou a voz do Predestinado, que prosseguiu com a preleção a despeito da gema fétida pingando de suas grisalhas madeixas.

– Vejam que, desde que o mundo é mundo, ficar criando bolor em casa sempre foi o passatempo compulsório da velharada, com seus pijamas e pantufas. E é natural que assim seja, pois suas carcaças carcomidas merecem algum repouso antes da decomposição no campo santo e depois de tanta contribuição ao INSS. No entanto, o que temos observado nos últimos tempos? Filhos e netos desses valorosos heróis, alguns beirando os 50 aninhos, sendo sustentados por eles e pendurados no celular ao longo do dia, da tarde, da noite e da madrugada. Pedindo filet à Chateaubriand delivery e procurando qualquer coisa que renda algum ao fim do mês no Catho online – desde que não seja preciso deixar o conforto do lar. E o que é mais revoltante: trajando os pijamas listrados e pantufas do pateta confiscados à força de seus pais e avós.

Humilhados, tungados e sem ambiente em suas próprias casas, logo ao raiar do dia multidões dessas pobres vítimas saem às ruas para seus campeonatos de damas e bocha, quando homens, ou para tricotar mantinhas para as obras de caridade do Rotary Club, quando mulheres. Fora dessa rotina, uma vez ao mês vão ao banco receber suas aposentadorias e pensões. Quer dizer, iam: seus dependentes cinquentões já descobriram suas senhas eletrônicas e fazem, de casa mesmo, a transferência dos proventos para as próprias contas. Em resumo: quem tinha que estar ralando coça o dia inteiro, e quem merecia coçar tem que sair à rua para encontrar o que fazer. Mesmo não tendo, compreensivelmente, vontade de fazer nada.

Pois anuncio a vocês que, anteontem de tardezinha, dezoito anjos tocadores de trombeta, vindos de Jericó com baldeação em Corozaim, chegaram esbaforidos à minha choupana afirmando que, a continuar tal despropósito, há de cair sobre esse mundo a maldição das maldições. Não tenho ideia do que possa ser feito para evitar a tragédia. Apenas transmito o recado.

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