Crise sobre rodas era anunciada
.Por Jamile de Campos Coleti.
A crise no sistema de transporte brasileiro já vem sendo prevista há muito tempo pela maior parte dos especialistas. Um sistema nacional que confia mais de 60% do transporte de cargas a um único modal, com tantas fragilidades, mais cedo ou mais tarde iria falhar.
Ao longo dos anos 1980-90, uma série de decisões políticas levou o nosso país a priorizar os investimentos nas rodovias, em um movimento contrário ao de décadas anteriores, quando foram feitos massivos investimentos na malha ferroviária – um modal mais adequado para longas distâncias, em um país continental como o Brasil.
A priorização dos investimentos públicos em infraestrutura rodoviária aliada, em um segundo momento, ao movimento das privatizações, com a concessão da administração das rodovias mais importantes do país para empresas privadas, contribuiu para que chegássemos até o caos instaurado essa semana.
A greve dos caminhoneiros que se iniciou na última segunda-feira (21) tem afetado todo o país. Em muitas cidades, além das estradas congestionadas, há um incômodo em relação ao abastecimento de combustíveis, peças e alimentos.
Num primeiro momento, o abastecimento de combustíveis se mostra fragilizado: no Rio de Janeiro o transporte urbano de passageiros chegou a ser reduzido em 40% devido à falta de combustíveis para se operar com a frota completa; a Infraero já divulgou que em alguns aeroportos haverá a falta de combustíveis e, portanto, alguns voos serão prejudicados; os correios cancelaram os serviços com entrega agendada; o abastecimento de itens hortifrutigranjeiros do Ceasa está comprometido no Ceará e em Sergipe e as estimativas são de que, se a greve persistir, alguns produtos alimentícios têm estoques para atender a população somente até sexta-feira; além do atraso na entrega de peças que estão prejudicando a produção de diversas fábricas no Brasil.
A paralisação tem como principal pauta os elevados preços do óleo diesel e sua tributação, o pagamento pelo eixo suspenso e por melhores condições de trabalho.
A reivindicação com relação ao preço do óleo diesel tem de ser negociada com a Petrobras. Só nesse ano o aumento acumulado do preço do óleo diesel é de 8%, contra uma inflação acumulada de 0,92% no mesmo período. A conta não fecha! Embora a Petrobras já tenha feito uma oferta de redução no litro do óleo diesel da ordem de 10% pelos próximos 15 dias, expressando uma redução da ordem de R$0,20 no preço do litro, os caminhoneiros lutam por uma redução da ordem de R$0,60 a R$0,80.
Sabemos que o óleo diesel representa uma forte influência no valor do frete. Um estudo desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Economia e da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp demonstra que a cada 1% de aumento no valor do óleo diesel representará um aumento de 2,4% no valor do frete de soja e milho.
Além disso, em meados de 2015 se deu início à cobrança pelo eixo suspenso do caminhão, ou seja, quando o caminhão estava vazio havia a possibilidade de trafegar com um eixo erguido, pois não havia peso sobre o caminhão para que houvesse a necessidade de todos os eixos no chão. Então, além de economizar a vida útil daqueles pneus e sua manutenção, o motorista não pagava o pedágio pelo eixo que estava suspenso, pagava apenas pelos eixos que estavam no chão.
Apesar da cobrança do eixo suspenso, de acordo com a pesquisa CNT de transportes, em 2017, 61,8% da extensão das rodovias tiveram o estado geral considerado regular, ruim ou péssimo; no ano de 2016, 58,2% foram classificadas nessas condições, ou seja, os motoristas de caminhão pagam a tarifa de pedágio adicional (pelo eixo suspenso), mas a qualidade das vias tem piorado.
Algumas vezes ocorre de o motorista ter a possibilidade de pegar uma rota alternativa onde ele não pague a tarifa de pedágio, mas essas rodovias em geral são pouco movimentadas por veículos de passeio, o que aumenta o perigo de assalto. Além disso, essas vias não recebem a devida manutenção por parte do governo, já que não são concessionadas, e, por conta das más condições, facilitam a ocorrência de acidentes.
Adicionalmente a essas duas pautas, os motoristas também lutam por melhores condições de trabalho, que teve um avanço com a lei do motorista, também em 2015. Contudo, as grandes empresas levam em consideração o custo de capital e em pleno 2018 dificilmente possuem frota própria, devido ao alto custo do capital imobilizado.
A alternativa para as empresas é terceirizar. Existem os motoristas que já possuem o caminhão e estão em busca de cargas para transportar e existem as empresas que não possuem frota mas precisam do serviço de transporte. A “lei da procura e oferta” faz com que os caminhoneiros lutem para conseguir fluxo de trabalho. O contrato se faz por carga e o caminhoneiro fica com uma porcentagem do valor do frete contratado (normalmente 70%) enquanto a empresa fica com o restante. Mas esse tipo terceirização é muito frágil, o caminhoneiro assume grande parte dos riscos (e isso envolve os riscos de preços do óleo diesel) além de pagar pela manutenção do seu veículo (que é próprio) sem garantias de fluxo de trabalho e com essa taxa sobre o serviço de quem o contratou.
A parte positiva disso tudo é que há um grande apoio da população pela causa dos caminhoneiros. Embora haja algumas incertezas sobre o abastecimento das cidades, a população tem consciência sobre quem é que move esse país sobre as rodas e está demonstrando apreço por essa classe trabalhadora (até agora).
Para finalizar, quero reforçar a importância da luta por melhores direitos trabalhistas para uma classe que está abaixo da linha da terceirização, que tenta trabalhar sem nenhuma garantia: sem garantia de que haverá um fluxo de trabalho contínuo, sem garantia sobre os preços do óleo diesel, além da exposição a riscos que nem sempre são cobertos pelo adicional de periculosidade (quando ele existe). A luta tem de continuar. Se não agora, quando? (Do Debate Brasil)
1) Não foram esses caminhoneiros que urraram “Fora Dima”?
2) Já se disse que é um lockout, que é crime, travestido de greve sendo que os barões das transportadoras insuflam seus terceirizados ao movimento;
3) Porque o governo golpista cedeu à chantagem ao invés de tratá-la como crime?
4) Porque se priorizou o transporte rodoviário, caro, poluente, barulhento, destruidor, consumidor de recursos, ineficiente? Cui bono? Grandes empresas de veículos (transnacionais), empreiteiras de construção civil (corruptoras), políticos corrompidos. Ou seja grandes lucros, grandes propinas. Exatamente o oposto do transporte ferroviário, marítimo;
5) Porque se turbinou a famigerada terceirização?
Respondendo a estas perguntas vamos entender a raiz de um problema muito maior que a “greve”!