.Por Luís Fernando Praga.
Messias tinha soluções para todos os problemas de seu país, mas não gostava muito de política nem tinha tempo pra gastar resolvendo isso, então pensou em eleger um presidente da república que executasse essa tarefa para ele.
Era um país miserável e violento e o grande ponto era que a violência não vitimava apenas os miseráveis vagabundos. “Se fosse isso, tudo bem”, pensava Messias, mas a violência se espalhava pela sociedade e até ricos vendedores de veículos usados, como Messias, sofriam com seus efeitos.
Dizimista fiel há vários anos, aos domingos e quartas, Messias, o pai orgulhoso, e seus três filhos, Natanael, Josué e Adonias, participavam religiosamente do culto. (Débora, a esposa, e Maria, a filha, também iam.)
Messias era testemunha de como a prosperidade rondava sua fé. O templo, antes uma casinha simples, situada nas quebradas de um bairro popular, mudara-se para uma área nobre e central. O próprio pastor Edymar Siedo, por muitos anos, trocou de carro na concessionária de Messias. Hoje não mais. Com o número de fiéis aumentando, o pastor esforçava-se para manter a imagem de gente de bem e bem sucedida, então esbanjava um carro zero diferente a cada ano. Se não trabalhasse só com seminovos, Messias poderia continuar dando condições especiais ao pastor na aquisição de seus possantes.
Grande pensador, Messias levava muito a sério as palavras de Edymar no sentido de se conter o avanço do pecado e dos pecadores no Brasil. Era nítida a influência de satanás no trabalho de destruição da moral do povo, penetrando camuflado na política, graças aos partidos vermelhos e invadindo os lares de bem, através de aparelhos de TV e computadores.
Apesar de serem contrários à televisão, Messias e sua família eram assíduos expectadores dos programas de música gospel, dos filmes gospel, dos programas infantis gospel, das novelas gospel, dos cultos na TV e dos programas ao vivo de exorcismo gospel. Fora isso, alguma novela da globo, que ninguém é de ferro. Também liam o capítulo do livro sagrado recomendado semanalmente pelo pastor e, no mais, assistiam ao jornal nacional, pois é preciso se manter bem informado.
Messias, que vivia cercado pelas palavras do evangelho e pela gente de Deus, não entendia como os adoradores de satanás e as ovelhas desgarradas do rebanho de Jesus eram tantos nem como podiam ser pessoas tão cegas e cafajestes a ponto de se incomodarem com a penetração de Jesus na política do País, mas sabia que satanás era ardiloso e iludia inocentes para que lutassem contra a difusão da palavra de Deus Brasil afora.
Edymar, não era segredo, tinha pretensões políticas, a fim de colocar mais Jesus na pauta, e vinha conversando frequentemente com Messias a respeito das próximas eleições. “Não tem que pensar em nada, meu irmão, nada!! A única coisa de que o Brasil precisa pra tudo começar a dar certo, inclusive na saúde, educação, segurança e economia é colocar um ponto final nos planos do capeta! É enterrar pra sempre esses partidos de esquerda! É mostrar pra esse bando de pervertidos que o Brasil não pertence ao cachaceiro sem dedo! O Brasil não é do diabo barbudo, irmão! O Brasil é de outro Barbudo, meu irmão! O Brasil é de Jesus, em nome do Senhor!”
Messias concordava em gênero, número e grau com o pastor; na verdade, em número e grau, porque ambos eram contrários a essa questão de gênero; e não relutou em apoiar o candidato indicado por Edymar, ainda mais quando soube que era seu xará.
Os tempos eram de burburinho e polarização política, mas o primeiro passo já havia sido dado: com a noiva do Capeta escorraçada da presidência e com os novos governantes abrindo o País para a penetração de Jesus, agora só precisavam calar o “maligno da barba”, que todos os seus seguidores murchariam e secariam, para que, em solo brasileiro, finalmente vingassem apenas as sementes do evangelho.
Já Havia um juiz, homem de honra e coragem, que vinha enfrentando e vencendo essa batalha e não faltava muito para que a justiça de Deus colocasse o “molusco” atrás das grades para sempre!
Foi dito e feito! Conforme a vontade de Deus, o bandido maior da nação, o “danação”, foi preso e excluído das eleições. “Aleluia!”, festejavam as famílias dos Messias!
Aliás, por falar em família, Messias sentia-se muito especial por ter uma família trabalhadora como a de seu xará da política, que agora encontrava um campo livre para crescer nas pesquisas. Messias tinha um irmão (Eloy) motoboy muito esforçado. Natanael, aos 16, já era frentista, estudava à noite e sonhava em ser pastor e político. Os gêmeos Josué e Adonias, 13 anos, também estudavam à noite e, durante o dia, ajudavam o pastor Edymar com as coisas do templo. Já o Jair, o messias da política, também tinha um irmão e três filhos, todos também políticos e muito religiosos graças a Deus. (Jair também tinha uma mulher e uma filha. Era menos relevante, mas era muita coincidência.)
Acontece que satanás não brinca em serviço e, mesmo encarcerado, conseguia controlar as mentes de seus seguidores de dentro da cadeia.
“Por que é que não matam logo o maldito?!”, perguntavam-se os Messias.
É, a batalha não seria fácil. Milhões de escravos do diabo, que não enxergavam o cramulhão como entidade maligna, mas como ser humano, revoltaram-se contra o que chamaram de “injustiça” e ocuparam as ruas do país. Possuídos pelo mal, promoveram greves e depredaram bancos, ocuparam repartições públicas e as sedes dos principais veículos de comunicação do País.
Messias, em conversa com Edymar, questionou sobre a possibilidade de um exorcismo coletivo, ao que Edymar informou que Deus não estava mais disposto a dar segundas chances às hordas do exu. Também que o desgaste mental e emocional dos bispos especializados para tentar purificar uma gente que não prestava não valeria o esforço, logo, o exorcismo não estava nos planos divinos.
Parece que a saída seria a única comprovadamente eficaz: Bala!
Claro, não iriam sair matando todo mundo! Só por Deus! Iriam avisar que matariam, caso os revoltados não se rendessem, quando desse tempo. Também, para casos menos graves, soluções menos drásticas seriam aplicadas, como balas de borracha, cassetetes, cavalaria, tropas de choque, paus de arara e outras formas de tortura e, apenas em último caso, desapareceriam com alguns arruaceiros.
Edymar estava bem informado. Claro, seu informante era Jesus, aleluia!
Numa das raras noites em que Messias pediu licença à família para uma diversão solitária (iria assistir ao lançamento do novo filme de um famoso ex-ator pornô gospel) foi dado o comando: em pouco tempo os militares dominaram e o pau comeu sobre os comunas, que sempre pregaram a não violência, bem feito!
Mas as forças do mal não desistem tão facilmente, e diversas lideranças populares (petralhas) brotavam como mato pelos quatro cantos do país, pedindo: conscientização do povo e estado laico, paz e luta, ciência e esperança. Vê se pode? Coisas totalmente incompatíveis!
O novo governo, mediante a resistência das tropas do capeta, afirmou não ter como lutar sozinho, visto que a crise sem precedentes gerada pelo governo anterior (petralha) deixara um grande rombo na economia e era preciso ajuda externa para suprir, de soldados e munição, as forças do bem.
Houve uma intervenção militar geral e ainda mais truculenta, reforçada pelo envio de tropas estadunidenses; essas sim, confiantes no Senhor, experientes e credenciadas a matarem comunistas.
Foi decretado que não havia ambiente para eleições naquele momento, mas que, logo, logo a ordem e o progresso voltariam a reger a Nação.
Os Messias ficaram tranquilos. Um porque assumiu um cargo importante no novo governo híbrido, militar e civil, e manteve na política seus três filhos e seu irmão, sob as graças e os privilégios de um estado religioso e muito bem armado. O outro Messias, porque, agora sim, vivia numa pátria evangélica e não havia porque temer o governo de Deus.
Estranhamente o “logo, logo” foi demorando, demorando e não se sabe quando vai acabar.
Satanás, mesmo tendo sido encontrado, suicidado com um tiro nas costas, dentro da cela, continuava mexendo seus pauzinhos e sempre surgia um rebelde, um grupo guerrilheiro, um filho das trevas pedindo a liberdade e a democracia de volta, por isso os militares não puderam largar seus postos e, enfim, instalou-se uma dura ditadura.
Jair continua muito macho e bem de vida. O pastor Edymar, agora, só viaja de jatinho e também conseguiu um cargo no governo.
Com recessão e desemprego incomparáveis na história, Messias foi dispensado da concessionária, mas tem fé em que assuma uma nova ocupação logo, logo, visto que aumentou sua contribuição para com Jesus, de mensal pra quinzenal.
O Eloy, infelizmente, foi possuído pelo mal e, depois de assaltar uma farmácia a fim de adquirir um medicamento para a esposa, graças a Deus teve sua moto identificada, foi preso, torturado e lá está.
Mas nem tudo mudou no país dos Messias. Nos templos, por exemplo, rapazes como Josué e Adonias continuam sendo estuprados por pastores como Edymar Siedo, que continuam pregando a palavra do Senhor e prosperando.
Na calada da noite, reuniões muito suspeitas, como as entre juízes e investigados e como as entre empresários corruptos e governantes continuam acontecendo nas altas rodas.
Na calada da noite, rapazes como Natanael e homens como Messias continuam estuprando mulheres que continuam não vindo ao caso, como Maria e Débora.
Não, hipócritas, charlatões e marionetes não existem no país dos Messias, jamais existiram! Isso é coisa da esquerda!
Na calada da noite, pessoas que ousam questionar os desígnios de Deus e dos governos continuam aparecendo e desaparecendo (pra sempre) e eu realmente não sei o quanto mais a gente precisa rezar e matar pra acabar com essa maldita gente pecadora que não se dá por vencida!