Guardiã das águas

Por Iolanda Toshie Ide

Guatemala, manhã de 07 de outubro de 2008. A despeito de um forte aparato militar, o evento das Comunidades Mesoamericanas ocupam as ruas da capital. Na maioria, mulheres indígenas provenientes do México, Honduras, Belize e da própria Guatemala.

Com uma metralhadora em punho, guarda avisa-me que é perigoso sair às ruas. Desconheço a advertência e busco fotografar o ato. Está para se iniciar o III Fórum Social das Américas: não poderiam deixar escapar a oportunidade sem se manifestarem. Afinal, tinham acabado de sair de um evento das Comunidades Mesoamericanas.

Reiteradamente, defendem o direito a seus territórios, suas fontes de água, sua cultura. Berta Cáceres, da Comunidade Lenca, defensora das águas, do Rio Gualcarque, é uma das fundadoras da COPINH (Conselho Civil das Organizações Populares e Indígenas de Honduras).

Fez forte oposição à instalação de mineradoras nas terras indígenas. Financiada pelo Banco Mundial, a multinacional SinoHydro pretendia construir a Hidrelétrica água Zarca, no Rio Gualcarque. Berta organiza seu povo e decide defender seu território e o rio. Após muitas lutas, ameaças e mortes, SinoHydro e Banco Mundial se retiram: raro exemplo de vitória.

Por ocasião do golpe contra o presidente de Honduras, Berta reagiu com veemência e passou a ser fortemente perseguida. Em 2015, Berta recebe o Prêmio Goldman que reconhece, em âmbito internacional, defensores/as da Natureza. Não só defendeu território ancestral e águas, como denunciou a depredação do capitalismo, do racismo e do patriarcado. Resistiu bravamente contra a instalação de bases militares no território lenca.

Não teve medo de se declarar feminista, defensora dos direitos das mulheres. Lutou pela desmilitarização, pela reforma agrária com equidade entre mulheres e homens, pela soberania alimentar.

Honduras é um dos países com maior número de assassinatos de pessoas que defendem a Natureza. Nos últimos dias, Berta denunciara o assassinato de quatro indígenas de sua comunidade. Foi ameaçada de morte inúmeras vezes. Solicitou proteção, mas nunca foi atendida.

No dia 03 de março de 2016, à 01 hora da madrugada, Berta foi assassinada. Sua comunidade se negou a reconhecer sua morte. Las lenguas insensatas dicen que Berta Cáceres murió. Falso. Las y los indígenas conscientes de nuestra identidad y razón de ser jamás morimos. Nos reincorporamos al vientre fecundo y fresco de nuestra Pachamama, declarou uma mulher lenca.

Comovidas, milhares de pessoas de despedem de Berta Cáceres.

Seus familiares responsabilizam o Estado hondurenho e as multinacionais: “responsabilizamos a la empresa DESA, así mismo a los organismos financieros internacionales que respaldan el proyecto, Banco Holandes FMO, Finn Fund, BCIE, Ficohsa, y las empresas comprometidas CASTOR, Grupo empresarial ATALA, de la persecución, la criminalización, la estigamatización, las constantes amenazas de muerte en contra de su persona y de la nuestra y al COPINH (Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas de Honduras)”.

Veio-me à memória, o rosto jovem e alegre que contemplei em 2008. Lembrei-me do fim de seu breve discurso por ocasião do Prêmio Goldman: “dedico esse prêmio a todas as rebeldias, minha Mãe, o Povo Lenca, o COPINH, os Rios e todas as pessoas que defendem a Natureza”.

Berta Cáceres, Guardiã das Águas, vive!
Vive neste Fórum Alternativo Mundial da Água que acontece agora em Brasília.
Iolanda Toshie Ide


Discover more from Carta Campinas

Subscribe to get the latest posts sent to your email.

Comente