.Por Marcelo Sguassábia.
Eram onze e meia da manhã quando o Rubão foi pelos ares.
O chefe o chamou em sua sala e começou a esculhambação. Metas, metas e mais metas não atingidas. Relatórios, gráficos de vendas, queda nos lucros. Cobrança de resultados, avanço dos concorrentes, vermelho inevitável no balanço do fim do mês.
– Então, seu Rubens, como é que fica?
O Rubão, do alto de um metro e noventa e quatro revestidos por largo invólucro adiposo, ia escutando calado, os braços cruzados e os olhos no chão. Foi quando começou a inchar. Os globos oculares querendo saltar do rosto. As mãos tremendo incontrolavelmente, os lábios arroxeando e dobrando de tamanho. No início ainda teve a consciência de afrouxar o nó da gravata e desapertar o cinto. Depois foi perdendo os sentidos e entregando-se resignado ao estouro iminente. O coração pulsava na altura do pescoço, veias e artérias iam rebentando como pipocas no microondas.
O chefe, agora acuado diante do quadro calamitoso, tentava uma remissão.
– Calma, Rubão, calma, esquece o que eu disse. Mês que vem a gente recupera essa situação, agora volta ao normal…
Três segundos depois, Rubão era carne moída. Explodira silenciosamente, low-profile, bem ao seu estilo. Talvez a banha abundante tivesse abafado o estrondo. O fato é que não havia centímetro de mármore, vidro temperado e madeira nobre da sala do diretor que não estivesse coberto com as vísceras do dedicado supervisor de vendas. Embora quase inaudível, a força daquele big-bang humano foi avassaladora. Alguns ossos encravaram-se, como que fossilizados, nas paredes do escritório, formando um curioso mosaico.
O diretor, tirando um fiapo de pâncreas preso aos seus óculos junto com o “R.J.T.” da camisa do Rubão (chamava-se Rubens José Tavares), tinha que pensar rápido. A situação era insólita, poderia ser acusado de assassinato.
Interfonou para a secretária e pediu que providenciasse um cão faminto, em pele e osso, imediatamente. Antes de tudo, limpar a área.
Refestelado do presunto e sua gordura, o cão começou a agonizar. O diretor decidiu levá-lo a um veterinário para uma injeção letal. Sacrificado o bicho, não haveria indício do ocorrido.
Não foi preciso. O cachorro chegou morto ao consultório. Sem a permissão do diretor, o doutor foi logo abrindo sua barrigada.
Após autopsiar o bicho, o veterinário foi categórico:
– Macacos me mordam, isso é carne de Rubão!
– Como assim? , disfarçou o diretor.
– Como assim digo eu, quem tem que se explicar é o senhor. Conheço carne de Rubão a léguas de distância. Além do mais…
Não chegou a concluir o raciocínio. Três tiros nos miolos o calaram para sempre. Sabia de tudo, era preciso eliminá-lo, pensou o diretor ao sacar a arma e mandar pro inferno o segundo num dia só.
Fugiu em disparada com o Rubão moído num saco de lixo, e se deu conta de que as placas dos carros todos tinham prefixo RJT. Pelas ruas em que passava via a Borracharia do Rubão, rubancas de jornal, a agência do Rubanco do Brasil, outdoors de Vick Vaporubão, concessionárias Mercedes-Rubenz.
Corria. E quanto mais corria, mais o espectro do Rubão ganhava fôlego para alcançá-lo. Ele com o pacote de carne já marrom, sem ter como livrar-se do finado a decompor. Entrou num beco, olhou para o céu e viu uma nuvem com o perfil exato do defunto. Exausto, cambaleou até chocar-se com a vitrine de uma loja de perfumes. O alarme soou: ru-bão, ru-bão, ru-bão, ru-bão…
Antes que a polícia viesse, chegou sua vez de explodir. Ruidosamente, gloriosamente, solenemente, como convinha a um executivo do seu porte.
No dia seguinte, os jornais noticiaram terem sido finalmente encontrados os restos mortais de Rubão, junto aos destroços de um desconhecido, enterrado como indigente.