A presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Maria Haydée de Lima, afirmou que a cidade nunca teve uma administração da saúde pública tão ruim quanto esta do governo Jonas Donizette (PSB).
Haydée é médica de Saúde Pública aposentada pela Prefeitura de Campinas e atuou por mais de 30 anos na rede pública da cidade. “A área administrativa da secretaria é a pior que já tivemos. Há graves problemas de manutenção predial e de equipamentos. Nos últimos anos, a falta de medicamentos essenciais foi uma constante”, afirmou em entrevista exclusiva ao site Carta Campinas.
Na entrevista, Haydée afirma que não são só os problemas de corrupção expostos, por exemplo, pela Operação Ouro Verde, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado), os responsáveis pela crise na saúde pública de Campinas e que o governo Jonas Donizette tem dificuldade de trabalhar com os conselhos representativos da sociedade. Veja entrevista:
Carta Campinas: Como você avalia a situação da saúde pública em Campinas no governo Jonas Donizete? Ela melhorou em alguns pontos, piorou em outros? Quais os problemas mais críticos atualmente?
Haydée de Lima: A situação da saúde pública nesse governo municipal vem piorando gradativamente. Não consigo citar uma só área em que tenha melhorado. Acho que seria difícil para os próprios gestores apontar melhora em algum aspecto. A gestão técnica é muito pobre de propostas e as áreas não atuam de forma integrada. Não há contratação de pessoal há dois anos. Isso significa que uma área como a saúde que necessita crescer para atender as necessidades de saúde da população, não repõe o pessoal que se aposenta, morre ou é exonerado por vários motivos. O reflexo disso é mais restrições ao atendimento da população.
A área administrativa da secretaria é a pior que já tivemos. Há graves problemas de manutenção predial e de equipamentos. Nos últimos anos, a falta de medicamentos essenciais foi uma constante. O planejamento técnico feito para as compras de nada vale nessa administração uma vez que os cortes são feitos pelo Comitê Gestor ligado ao gabinete do prefeito e sem participação de nenhum técnico da saúde. Isso acontece sem que os gestores da saúde tomem uma atitude eficaz em relação ao fato. Campinas que já foi uma referência nacional na saúde pública hoje sofre um retrocesso entristecedor. É verdade que muitos trabalhadores de saúde, com alto compromisso público tentam manter a qualidade da atenção prestada aos usuários, mas com as condições atuais cada dia isso fica mais difícil.
Carta Campinas: A Operação Ouro Verde, do Ministério Público, por meio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado) e da polícia trouxe mais um escândalo de corrupção na saúde. Como o governo municipal pode evitar que problemas como esses ocorram? Que tipo de controle pode ser implantado pelo poder executivo?
Haydée de Lima: Um escândalo que começa com a aprovação afobada pela Câmara de Vereadores da Lei das OS (Organizações Sociais) e por uma licitação feita de maneira nebulosa em que a empresa vencedora foi a Vitale, organização que não tinha nenhuma experiência anterior de gestão de hospital de grande porte como é o Ouro Verde. As investigações têm que começar por aí. Quem teria interesse em que isso ocorresse dessa forma? O Conselho Municipal de Saúde, grande número de sindicatos e Movimentos Sociais, apoiam a abertura de uma CPI na Câmara. Mas a base do governo é contra. Achamos que a população tem o direito de exigir essa CPI. Temos o direito de saber quanto de dinheiro foi desviado e quem estava envolvido no Executivo e no Legislativo. As investigações do Ministério Público, através do GAECO, tem nosso total apoio, mas não são suficientes para que o debate de como evitar tais desvios chegue à sociedade e possamos apontar todos os envolvidos para o conhecimento da população que paga os impostos e tem o direito à saúde garantido na Constituição.
Essa administração municipal tem muita dificuldade de trabalhar com Conselhos representativos da sociedade que atuem com autonomia e independência. Nossas críticas são frequentemente desconsideradas e desqualificadas. O Secretário Municipal de Saúde (Cármino de Souza) não comparece há anos nas reuniões ordinárias do Conselho Municipal, que é um órgão estabelecido por lei para exercer fiscalização, controle e elaborar propostas para a Saúde do Município. Mas continuamos acreditando fortemente no controle exercido pela sociedade organizada sobre o Executivo. É esse o esforço do Conselho: crescer na representatividade envolvendo cada vez mais a sociedade.
Carta Campinas: O Conselho Municipal de Saúde (CMS) tem condições e estrutura para fiscalizar e detectar desvios no setor de saúde pública do Município? É possível a sociedade aprovar uma legislação municipal que permita ao Conselho de Saúde ter mais controle sobre investimentos? O que seria importante implantar para que o CMS tivesse uma atuação para tentar evitar desvios na saúde pública?
Haydée de Lima: A estrutura do Conselho de Saúde em Campinas atualmente é muito insuficiente. Não temos como contratar assessorias, não temos estrutura correspondente ao tamanho da nossa tarefa. Não falta legislação. Já está estabelecido em leis e portarias que os recursos para a operacionalização do Conselho são de responsabilidade do executivo, mas isso não é cumprido. Essa questão já foi inclusive levada ao Ministério Público do Estado de São Paulo e há um Inquérito Civil aberto sobre a ela. Mas também, não é papel do Conselho, que é constituído por representantes da população que atuam em trabalho voluntário, realizar o que já é da competência de órgãos públicos especialmente criados para controlar os gastos públicos e fiscalizar os Executivos. Eles sim teriam esse papel. O Conselho tem o papel fundamental de fazer a ligação entre a sociedade e esses órgãos, defendendo sempre o direito constitucional à saúde de todos e de cada cidadão.
Carta Campinas: O escândalo do Ouro Verde está ligado a uma administração do hospital por uma OS, sistema que foi vendido como solução para os problemas da saúde pública. Há solução para gestão da saúde pública? Que sistema adotar para ter maior eficiência na saúde pública?
Haydée de Lima: Estamos vendo em todo o país que a privatização da gestão de serviços públicos através de OSs não tem sido a solução que alguns esperavam. Ao contrário, esse sistema tem sido uma fonte incontrolável de corrupção, de fragmentação do Sistema Único de Saúde e de precarização do trabalho dos profissionais de saúde. A solução tem que vir para a saúde e também para as outras áreas sociais. Tem que haver uma reforma do Estado que permita maior democratização das gestões, maior agilidade (os sistemas de controle só burocratizam e não evitam desvios). Temos uma Lei de Responsabilidade Fiscal que todos os governos temem, mas não temos o que eles realmente deviam temer: uma Lei de Responsabilidade Social, que constranja o governante quando ele deixar o Posto de Saúde caindo aos pedaços, sem médico, sem remédio, com os equipamentos quebrados anos a fio, o povo sofrendo as maiores humilhações. Isso sim devia ser constrangimento legal! A gestão pública pode ser de qualidade e eficiente. Precisamos de uma reforma de Estado que facilite isso.
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