.Por Marcelo Sguassábia.
“O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado”
Vinícius de Moraes
Ele chegou filhotinho, uma coisinha de nada, só 200ml de suave fofura e inocência. No rótulo se lia “12 years old”, mas, para um exemplar daquele pedigree, doze anos era só o começo de uma longa e proveitosa vida.
E como foi saboreada a vida que me deu, enquanto durou. Não exigia nada em troca e não dava trabalho nenhum. Não pegava pulga, nem carrapato, banho não carecia, nem latir ele latia. Manso como só ele, deixava-se ficar ali na estante, entre livros e porta-retratos.
A intimidade e o zelo foram se achegando aos poucos, em goles discretos. Sabia o momento do seu reinado a cada fim de tarde, à hora certa e boa. Era quando trocávamos colos. Eu lhe dava o meu e ele me dava o dele. Sem gelo, reconfortante e amigo. Cicatrizante de mágoas e refazedor de ânimos, punha-me a alma pulando doida feito um cãozinho dançante de circo. Em sua irracionalidade, parecia conhecer a magia do seu caramelo com gosto e cheiro de envelhecido, levando como recompensa de sua travessura um biscrock ou coisa assim.
E quantas vezes eu ali quieto, no divã da sala, livro ou jornal nas mãos, e lá vinha ele com aquela cara de pidoncho, abanando o rabinho. Me ganhando com seu blend de cocker spaniel, poodle e yorkshire, um malte (ou seria maltês?) de aroma inconfundível e traços amadeirados de marcante personalidade, que só o repouso sem pressa em carvalhos escolhidos pode trazer.
Nessa toada, o tempo voou e ele espichou. De garrafa de bolso para 500ml, daí para 750 até chegar a um litro. Ou seja, se eu o entornava aos poucos, o seu crescer forte e saudável recuperava o consumido. Na cruza, rendeu oito filhotinhos. Todos com a sua cara e com os mesmos 200ml, o tamanho que tinha quando entrou em casa pela primeira vez.