.Por Bruno Lima Rocha.
Quando observamos a posição do Brasil no Sistema Internacional (SI), levando em conta o grau de coesão interna (tanto na soberania nacional como na ainda mais deficiente soberania popular) e nossos potenciais concretos nos vemos em uma situação dúbia.
Por um lado, qualquer raciocínio minimamente correto – sob diversos pontos de vista ideológicos – projetará o país como um dos poucos que tem saída minimamente autônoma no planeta. Por outro, ao interpretar realisticamente o consenso conservador imposto pelo arranjo de dominação interna, vemos o quanto distante estamos desta potencialidade.
É fato. Não há desenvolvimento autônomo e com soberania popular se o território físico ficar subordinado às cadeias de valor comodificadas, dominadas globalmente por 16 empresas de intermediação. Pela lógica da soberania deveríamos simplesmente seguir o caminho inverso, em todos os sentidos: preservar os biomas para, a partir destes, transformar saber popular em produção científica de escala. No caso brasileiro, há uma triste evidência. Somente um pensamento neocolonizado pode ver com bons olhos o alinhamento de preços manipulados por especuladores de mercados futuros.
Nunca é demais reafirmar. O governo deposto de Dilma Rousseff no segundo mandato (2015-2016) não estava sequer inclinado mais à esquerda, logo, não houve nem uma maior tensão social interna – no sentido da luta direta ou no protagonismo de classe – e tampouco alguma manobra de envergadura anti-imperialista.
Tal e qual ocorrera em 1954 e com maior grau em 1964, apenas as possibilidades de desenvolvimento capitalista com certo grau de autonomia decisória já foram suficientes para elevar a temperatura doméstica através de uma típica “revolução colorida” do século XXI. Se em Guerra Fria as saídas nacionalistas do varguismo em suas duas últimas etapas motivaram a uma possível intervenção no país, ao fim da Bipolaridade e no período de hegemonia dos EUA com algum nível de ameaça (s), o uso da Lawfare bastou para garantir a vitória através de grotesca manipulação de massas com indignação seletiva.
Nosso desenvolvimento interrompido vem de antes, através do reforço da economia comodificada, aumentando tanto o peso das cadeias primárias e extrativistas no Brasil, como a entrada de insumos tecnológicos na produção agroexportadora. Esta fragilidade não foi rompida no período lulista (2003-2016), mas sim acentuada.
A complexidade da dependência se dá na venda casada e pagamento de royalties tecnológicos, e também na manipulação de preços das commodities não apenas na determinação de preços por países compradores, mas pelos estoques dos gigantes da intermediação e os contratos futuros negociados na roleta financeira.
O economista Ladislau Dowbor, no livro A Era do Capital Improdutivo (Outras Palavras/Autonomia Literária, 2017) explica esse fenômeno de forma didática. Basta uma página (a 189) para desmontar todo um universo de mistificações repetidas à exaustão nos chamados “mercado de notícias econômicas”. Vejamos:
Ainda que se trate de bens físicos como minério de ferro ou soja, o fato é que no plano internacional as variações são diretamente ligadas às atividades financeiras modernas. Não há razões significativas em termos de volumes de produção e de consumo mundial que justifiquem as enormes variações de preços de commodities no mercado internacional.
Assim, toda a dimensão do avanço da fronteira agrícola ou mesmo a extração de petróleo sem expansão da capacidade integrada no refino de ponta, termina aumentando a fragilidade do país, mesmo batendo recordes anuais na produção e venda de grãos e minérios em forma bruta. É conta de chegada, quanto maior a complexidade nos produtos, menos expostas ficam estas cadeias diante da especulação dos gigantes intermediários. O inverso é assustadoramente verdadeiro.
Os volumes de produção e consumo de petróleo, por exemplo, situam-se em torno de 95-100 milhões de barris por dia, com muito poucas alterações. Mas as movimentações diárias de trocas especulativas sobre o petróleo ultrapassam três bilhões de barris, cerca de 30 vezes mais. São estas movimentações especulativas que permitem entender que com um fluxo estável do produto real que é petróleo oscile tanto em poucos meses.
Enquanto o consenso liberal neoloconizado elogia a “atuação profissional” da atual diretoria da Petrobras (após abril de 2016) por balizar o preço dos combustíveis de acordo com o “mercado internacional”, a evidência da manipulação de preços em nível mundial é gritante, passa pela capacidade especulativa dos operadores logísticos (focando em transportes e estoques) e das atuais seis irmãs transnacionais do petróleo listadas abaixo. Ainda segundo Dowbor:
O que movimenta os preços neste caso não é a economia chinesa, ou uma decisão da Arábia Saudita ou ainda a entrada do Irã de volta ao mercado, mas sim a expectativa de ganhos especulativos dos traders, hoje 16 grupos que controlam o comércio mundial de commodities. Estes grupos, concentrados em Genebra, alimentam o mercado de derivativos, que hoje é da ordem de 500 trilhões de dólares, para um PIB mundial de 80 trilhões de dólares (p.189).
Mas quais são estes conglomerados que conseguem manipular preços e jogar contratos futuros empacotados em derivativos? Segundo o Business Insider e o ranking da Singapore Management University as gigantes da intermediação de commodities no planeta são, em ordem decrescente: Vitol (Singapura); Glencore (Suíça); Cargill (EUA); Koch Industries (EUA); ADM/Decatur (EUA); Gunvor Group (Suíça/Singapura); Trafigura (Suíça); Mercuria (Suíça); Noble Group (Hong Kong); Louis Dreyfus (França); Bunge (EUA); Wilmar (Singapura); Arcadia (Inglaterra); Mabanaft (Holanda); Olam (Holanda) e Hin Leong (Singapura).
Já as maiores empresas petrolíferas em escala mundo, no ano de 2017, também expostas aqui em ordem decrescente, são: BP (Inglaterra); Shell (Anglo-Holandesa); ExxonMobil (EUA); Chevron (EUA); Total (França) e Eni (Itália). Como estas marcas também operam na distribuição – do poço à bomba como diz o setor – tornam-se mais conhecidas, facilitando a evidência, com um agravante. As TNCs do petróleo acima listadas são todas influenciadoras diretas dos tomadores de decisões de países membros da OTAN, incluindo as mais poderosas marinhas do planeta.
O Brasil, assim como os demais países de economia comodificada, ao estar sob esta integração forçada, perde espaços de manobras, soberania e autodeterminação.
Bruno Lima Rocha é professor de relações internacionais e de ciência política (www.estrategiaeanalise.com.br para textos e áudios / www.estrategiaeanaliseblog.com para vídeos e entrevistas / [email protected] para E-mail e Facebook)