.Por Leila de Oliveira.
Uma das críticas, que subjugava de oportunista Ellen por “somente agora” denunciar que apanhara de Naldo ao longo dos 7 anos do relacionamento, partiu de uma mulher de São Paulo, estado onde tramitam na justiça mais de sessenta mil processos, impetrados com base na Lei Maria da Penha (TJ-SP/ janeiro de 2017).
A mentalidade obscura de que o histórico de dançarina de Ellen legitima o comportamento de ciúmes de Naldo, motivação da briga da qual decorreram as agressões, traz à tona um passado, não muito distante, em que aos maridos era permitido por Lei que assassinassem as próprias mulheres. Tenho como a pior faceta da análise os comentários de mulheres para as quais as circunstâncias do início do relacionamento de Ellen com Naldo, na época casado, tornam concebíveis os socos, tapas, puxões de cabelo e um golpe dado com uma garrafa, além de ameaça de morte, a ela infringidos.
Dá medida do risco a que Ellen estava submetida a arma citada por ela no depoimento à polícia e encontrada na casa em que vivia com Naldo .
As evidências no Brasil provam que a violência doméstica não é questão de opinião.
O país ostenta a maior taxa de feminicídio do mundo. Em 2016, houve 5.657 registro de mulheres assassinadas, sendo que 533 mortes eram feminicídio. Há feminicídio quando uma mulher é morta por ela ser mulher. A Lei 13.104/15 reconhece nele um crime de ódio.
Neste contexto, o preconceito e o machismo, como os observados na vastidão de reações femininas ao “caso Ellen”, não desempenham papel menor.
A defesa da vida e da dignidade deveria ser a meta mais elevada da sociedade humana.
Mulheres que caem na armadilha de tentar se autoafirmar socialmente através de comentários pró-violência atuam contra si, ao perpetuar a visão patriarcal histórica de que às mulheres não é permitido ser dona do seu corpo, ou senhora da sua própria narrativa.
Levando-se em conta o potencial da internet de modificar a realidade, antes de instilar reações na rede, convém memorar a citação : “Se não é certo, não faça. Se não é verdade, não diga” . Imputada ao imperador Romano Marco Aurélio, a mensagem, irretocável no propósito de impedir de disseminar injustiças, bem que poderia ter sua origem atribuída a uma mulher.
.Leila de Oliveira é jornalista formada pela Puc-Campinas. Foi assessora de imprensa na Câmara Municipal, e atuou na comunicação de diversas campanhas políticas. Escreve para entidades sindicais, entre outros trabalhos. Apaixonada pelo universo feminino, acredita no potencial de transformação social da política.