.Por Bruno Lima Rocha.
Venho trabalhando com o tema da globalização financeira desde agosto de 2008, no auge da “crise”- ao qual denomino farsa com nome de crise – originada pela bolha imobiliária dos EUA e a consequente liquidação de hipotecas sem lastro. Não foi a primeira “crise” da era pós Guerra Fria embora tenha sido aquela a afetar o planeta após os ataques de 11 de setembro de 2001. A partir daquele momento, decidi dedicar parte do esforço analítico para conectar algumas variáveis fundamentais para a escala de dominação planetária deste mundo pós-2008.
Uma variável de fundamento é o conceito de imperialismo e a necessidade de sua revisão. Estando na América Latina e lecionando na ciência política e nas relações internacionais, automaticamente nos colocamos em uma posição polarizada quanto aos Estados Unidos e as capacidades de projetar outras inserções no Sistema Internacional distantes do eixo anglo-saxão e da Europa unificada. Ao mesmo tempo, a noção realista nos faz evitar qualquer adesão às posições da Rússia, Índia e menos ainda da China. Para nosso caso, observando as relações assimétricas de poder global a partir do Brasil como país líder continental, é possível manobrar dentro de um guarda chuva dos BRICS, mas reconhecendo a existência de um imperialismo chinês em escala global e projeções afins dentro e fora da Eurásia para estas três potências.
Com todas estas ressalvas, vemos como essencial interpretar o conceito de imperialismo globalizado e financeiro. Este se manifesta desde formas mais grosseiras, como uma invasão militar, até o objeto de estudo o qual este texto se vincula, as relações complementares e subordinadas de Transnacionais (TNCs), paraísos fiscais, capital financeiro como forma de acumulação selvagem contemporânea, endividamento securitizado de populações inteiras e a existência de uma soma nefasta de elites orgânicas agindo através de portas giratórias em escala nacional e transnacional, a serviço e se locupletando da versão atual do neoliberalismo.
Tal sistema de dominação opera através de uma dimensão complementar de inteligência e espionagem eletrônica – e a quebra de sinais, sigint -, o aval jurídico-político e por que não ideológico de mídia especializada (como o papel do “jornalismo” econômico), das agências de análise de “risco”, das recomendações dos organismos ainda originários de Bretton Woods (como o FMI e o Grupo Banco Mundial), dos operadores “nacionais” vinculados aos volumosos e pouco ou nada regulados fundos de tipo hedge e o conjunto de instrumentos de acumulação através do chamado shadow banking.
Na ponta, agindo em cada sociedade concreta, observamos a internalização de interesses externos (imperialistas) como nos acordos de Cooperação Jurídica Internacional, os institutos e think tanks da “nova” direita (que se alastram como metástase na América Latina), a captura das instituições do Estado capitalista – diminuindo a pouca margem da democracia de massas – e ampliando tanto os espaços de mercado – marketização –, como a privatização de recursos, empresas e patrimônios coletivos (como as reservas de recursos naturais) e a constante pressão da maior parte do topo da pirâmide de nossas sociedades em serem absorvidas como sócias minoritárias da distopia do capitalismo global com “liberdade e eficiência” de mercado.
Na dimensão da meta permanente, o modus operandi em escala mundo, vemos a concentração cada vez maior de TNCs – dentre estas incluem conglomerados chineses, russos, indianos e até há pouco tempo atrás, brasileiros – cuja capacidade de interconexão é inversamente proporcional à preservação dos recursos não renováveis do planeta e os biomas.
A internacionalização de cadeias secundárias de suprimentos, a interdependência subordinada de mercados inteiros e sociedades concretas – como na venda no mercado futuro de safras agrícolas e a dolarização de produtos primários – e uma produção científica piramidal onde a circulação de pesquisa cientifica é também inversamente proporcional ao segredo industrial e a capacidade de pesquisa e desenvolvimento com conteúdos nacionais definem um planeta onde os conglomerados de capitais cruzados e controle acionário múltiplo, mas subordinado a centros decisórios externos, aumentam as fragilidades de cada país e fazem da soberania decisória uma meta cada vez mais distante.
Este conjunto complexo tem na acumulação selvagem de riqueza através de compromissos de resgate – títulos, papéis, instrumentos financeiros e depósitos ultramarinos – um autêntico cassino global protegido por legislação específica em territórios com jurisdições especiais.
São beneficiários deste mecanismo tanto indivíduos como empresas, podendo ser considerado o depósito em “paraísos” a forma contemporânea de enriquecimento. Os valores que acumulam nestas jurisdições evadem tanto do fisco de países – e por tanto não se transformam em políticas públicas ou financiamento do aparelho de Estado – como tampouco aumentam a renda média das sociedades. É justamente o contrário.
O modelo de acumulação financeira e a ação do imperialismo em sua etapa de globalização pós-2008 vê o aumento de circulação da “indústria financeira” não regulada, fazendo com que a riqueza não seja sequer oriunda especificamente de exploração de mão de obra e extração de mais valia. O capitalismo atual já não necessita gerar um volume de trabalho vivo e de emprego direto volumoso e sim subordinar as sociedades para fins privados em nome do “crescimento” de alguns setores ou da “estabilidade”.
A ausência de trabalho vivo e o sequestro da capacidade extrativa dos Estados aumenta a lacuna de representação e a captura dos bens coletivos pelos entes privados, sendo que seus representantes estão dentro e fora dos governos de turno e das tecnocracias de carreira. Como se observa, a complexidade do imperialismo contemporâneo nos obriga a desafios teóricos e organizativos de vulto.