Por Diogo Cintra
Eu tava andando na rua depois de sair de uma balada por volta das 5h da manhã. Estava próximo do Terminal Parque Dom Pedro II quando fui abordado por dois homens, que pediram meu celular e meu dinheiro.
Eu reagi e saí correndo pra tentar me abrigar no próprio Terminal de ônibus. Chegando lá, ainda sendo perseguido eu tentei pedir ajuda pra uma segurança, que virou pra mim e disse: “Meu, só corre. Sai daqui”. Eu corri pra pedir ajuda pra outros seguranças que estavam lá. E aí os mesmos homens que me abordaram poucos minutos antes, apareceram – agora em maior número – dizendo que era eu que tinha roubado eles.
Os seguranças acreditaram neles sem pensar duas vezes e aí começaram a me segurar com força e violência. Eu gritava tentando argumentar com os caras, dizendo que o celular que eu tinha no bolso era meu e que eu não tinha roubado porra nenhuma. Tentei provar isso mostrando o conteúdo que havia no aparelho, mas ele tava descarregado. Mas sempre que eu tentava falar algo, o segurança me mandava calar a boca. Assumindo logo de cara que eu era o culpado, ele me entregou pros caras, que me arrastaram para fora da estação, e lá do lado de fora eu fui ESPANCADO por eles.
O segurança chegou a perguntar o que eles iam fazer comigo, e disseram que iam me levar pro “rio”. Apavorado com o que poderiam fazer comigo, entrei em desespero e comecei a me debater. Quando consegui me soltar, saí correndo, mas os caras tinham três cachorros com eles. Eu fui atacado pelos cães.
Pela misericórdia do meu pai Exu, uma das meninas que tava com eles pediu que parassem, que já tinham batido em mim o suficiente. Assim eu conseguiu fugir e voltar pro terminal. Eu fiquei cheio de mordidas e arranhões, além dos hematomas.
O segurança que há pouco me entregara apareceu na maior cara de pau me oferecendo uma cadeira de rodas e querendo me levar pra um AMA. Eu recusei e disse que apenas queria ir embora. Ainda insistindo, o segurança apenas disse “então você está por sua conta e risco”. E falei que tudo certo, entrei num ônibus e fui pra casa de um amigo pra pedir ajuda, ferido e coberto de sangue.
Com a ajuda dele e de duas amigas, eu fui pro hospital, recebi o devido tratamento médico e agora passo bem e estou me recuperando. Por pouco, eu não fui morto por uma injustiça e por conta de um ato racista. Racista, porque eu sou negro e estava simplesmente andando de madrugada. Racista porque ninguém naquela noite acreditou em mim, e além de ser assaltado, fui sentenciado por pessoas que nem quiseram me ouvir falar.
Por que diabos automaticamente o segurança assumiu que eu era o bandido e que os outros caras estavam falando a verdade? E o pior, o segurança também era negro. O que diabos levou a ele a não sentir sequer o mínimo de empatia por mim? Por que ele não chamou a polícia para resolver a situação, ao invés de simplesmente me enxergar como um bandido e me entregar pros cães?
E eu não fiz porra nenhuma aquela noite. O meu crime foi ter reagido a um assalto ou simplesmente sair pra andar de madrugada na rua. Eu sou só um ator, um “vagabundo”, que passa dia e noite tentando manter minha dignidade, ganhando meu dinheirinho e fazendo o que eu posso através da Arte.
Eu inclusive participei recentemente de uma peça de Teatro voltada ao público escolar para falar do quanto negros como eu são sentenciados à morte no nosso país, culpados por crimes simplesmente por serem negros. O racismo mata todos os dias! Eu fui vítima não só de racismo, mas do absurdo e da violência que pessoas que tentam fazer “justiça com as próprias mãos” são capazes. Fui entregue por pessoas que provavelmente acharam estar fazendo o justo e o correto.
Seguranças me entregaram só por ser negro a assaltantes que deixaram claro que iriam fazer muito mal a mim. Seguranças que concluíram, numa só olhada, que diante deles havia um ladrão. A próxima vez que vocês ouvirem falar sobre racismo, e quiserem culpar a “galera do direitos humanos”, não pensem só no retrato estereotipado que vocês fazem dos negros no nosso país.
Peço que compartilhem esse texto. Encontraremos os responsáveis, e eles serão levados à justiça. E, até lá, iremos conscientizar todas as pessoas sobre o que ocorreu, porque todos os dias esse tipo de escândalo acontece. O meu caso é só mais um caso. Negros estão sendo assassinados todos os dias. Pelo nosso governo, pela nossa polícia, e por nossos cidadãos.
Quantos Diogos ainda vão ter que passar por isso? (Do Facebook de Diogo Cintra)