O professor da USP (Universidade de São Paulo), Carlos Monteiro (foto), e o Nupens-USP (Núcleo de Pesquisas Epistemológicas em Nutrição e Saúde) estão no centro de uma polêmica mundial envolvendo suas pesquisas sobre uma nova classificação de alimentos, que deveria acompanhar o rótulo nas embalagens.
Monteiro é autor de um artigo que define uma nova classificação para os alimentos. Ele define a nova classificação de alimentos baseado no processamento industrial usado na produção e os divide em três grupos: alimentos não processados ou minimamente processados (grupo 1), alimentos processados utilizados como ingredientes de preparações culinárias ou pela indústria de alimentos (grupo 2), e produtos alimentícios ultraprocessados (grupo 3). O artigo pode ser lido aqui.
Essa classificação irritou profundamente o setor da indústria alimentícia mundial. Pesquisadores, financiados ou ligados a instituições da indústria, atacam o professor da USP, criticando a nova classificação, inclusive consultores da Nestlé. O motivo principal é a ligação entre alimentos ultraprocessados, obesidade da população e doenças crônicas e câncer.
Em postagem do professor Carlos Monteiro e pesquisadores do NUPENS/USP no Facebook, eles narram que publicaram artigo na revista Public Health Nutrition onde rebatem comentário escrito por um consultor da Nestlé visando deslegitimar o uso da nova classificação. “O artigo, intitulado ‘Ultra-processing. An odd appraisal’, enumera dez erros grosseiros do comentário, típicos de textos descuidados e que não foram submetidos à avaliação por pares, e comprova a ocultação de conflito de interesses de dois co-autores”, anotam. Acesse o artigo aqui.
Veja trecho de um relato detalhado desse caso, narrado por João Peres, no Outras Palavras:
“Carlos Monteiro estava assistindo a um debate na sala Libertador A quando recebeu uma mensagem no celular: “Vem pra cá. Estão te atacando.” Mas a apresentação sobre o papel da biodiversidade na melhoria da saúde e da nutrição, para o qual havia sido convidado, estava muito interessante. E ataques, de qualquer maneira, não são novidade para o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Especialmente depois que ele formulou uma proposta que enfureceu a indústria de ultraprocessados: nomeá-la. Aceitar um rótulo não é fácil.
Foi isso que se deu em 2009, quando Monteiro e o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) decidiram propor uma nova classificação de alimentos. No lugar dos macronutrientes (proteína, lipídios, carboidratos) e dos micro (vitaminas e minerais), entrou em cena o grau de processamento. A classificação NOVA, como é chamada, divide os alimentos em quatro grupos. Os três primeiros têm sido a base da alimentação humana por muitos séculos: alimentos não ou minimamente processados, ingredientes culinários processados e alimentos processados. E o quarto grupo, constituído por formulações industriais de substâncias derivadas de alimentos e aditivos cosméticos, chamadas de alimentos ultraprocessados.
Até ali, a indústria de ultraprocessados caminhava pelas ruas meio anônima. Alguns a chamavam de junk food. Outros, de tranqueira ou porcaria – “menino, não vá comer porcaria antes de jantar”. Mas não havia um nome científico consensual, o que, de certo modo, continua a não haver.
Mas a classificação dos alimentos pelo grau de processamento foi uma das sacadas que começaram a apontar o dedo para a indústria como a principal responsável pela epidemia de obesidade que explodiu nas últimas décadas. Vários grupos de pesquisa do mundo voltaram o olhar aos ultraprocessados e, desde então, não param de elencar evidências científicas sobre a associação entre o consumo e as doenças crônicas não transmissíveis (diabete, hipertensão, câncer). Recentemente, o Instituto Nacional do Câncer afirmou haver evidência sólida de correlação entre a obesidade e 13 tipos de câncer.
“Esses estudos, conduzidos por pesquisadores de vários países, têm comprovado o vertiginoso crescimento mundial do consumo de alimentos ultraprocessados, como refrigerantes, snacks industrializados e refeições congeladas, e o sistemático impacto negativo desses alimentos sobre a qualidade nutricional da alimentação humana e sobre o risco de obesidade, hipertensão, síndrome metabólica, dislipidemias e outras doenças crônicas não transmissíveis”, escreveu Monteiro na última semana, ao defender-se de um dos ataques mais recentes.
(…)
A Associação Argentina de Tecnólogos Alimentares tem Coca e Danone como patrocinadoras. O mesmo vale para suas entidades homólogas nos outros países da América Latina.
O American Journal, onde saiu o artigo do grupo de Gibney, é conhecido no meio acadêmico. É uma das publicações da American Society for Nutrition, que tem atualmente 28 empresas parceiras – Coca, Kellogg, Pepsi, Nestlé, Monsanto e daí por diante. A organização é uma defensora dessas corporações. Já chegou a administrar a emissão de um selo positivo que decorou embalagens de cereais altíssimos em açúcar, entre outros ultraprocessados.
Em 2015, a pesquisadora Michele Simon, especializada na indústria alimentícia, publicou um artigo no qual aborda os luxuosos eventos da American Society. De 34 painéis científicos na edição daquele ano, 14 eram bancados por empresas ou associações empresariais – sem contabilizar instituições de fachada. (Veja texto completo)
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