O Poder Judiciário brasileiro é uma máquina de produção de injustiças.
Enquanto homens ricos e com bons advogados respondem processos em liberdade, mulheres pobres são encarceradas ilegalmente.
Sem condenação, cerca de 50% das presidiárias brasileiras deveriam estar fora das prisões, mas são presas por ‘atos ilegais reiterados’ do Poder Judiciário, segundo o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu).
Veja trecho da reportagem Mariana Bastos, do Gênero e Número, em que mostra a violência da desigualdade econômica e social do Brasil. Mulheres pobres chegam ao sistema penitenciário sem se quer ter documento de nascimento ou RG. No Brasil da miséria, nascer já é um erro.
Aplicação da lei diminui pela metade número de detidas no Rio de Janeiro
A maternidade é particularmente sensível no debate sobre as mulheres privadas de liberdade, uma vez que 83% delas têm ao menos um filho, segundo a pesquisa “Nascer na prisão”. Não à toa, os esforços de defensores de direitos das mulheres e de profissionais que atuam na Justiça brasileira têm se focado neste aspecto da vivência das que se encontram atrás das grades.
Em 8 de março de 2016, o Marco Legal da Primeira Infância alterou o artigo 318 do Código de Processo Penal e passou a estabelecer o direito à prisão domiciliar a toda mulher presa provisoriamente que seja gestante ou que tenha filhos de até 12 anos de idade. O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de junho de 2014, registrou um aumento de 567% do número de presas entre 2000 e aquele ano – taxa bem superior à masculina, de 220% –, e apontou que um terço delas está privada de liberdade sem condenação.
Dias depois da promulgação do Marco Legal da Primeira Infância, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro estabeleceu a resolução 819, uma política de atenção a mulheres grávidas, lactantes e mães de crianças de até seis anos ou com deficiência e que estejam privadas de sua liberdade. A resolução e a nova lei federal foram fundamentais para que o órgão reduzisse pela metade o número de detidas no Estado. Em novembro de 2015, eram 4.139; no fim de setembro, eram 2.096.
Os critérios dessa lei também basearam a requisição de um habeas corpus coletivo em prol de todas as mulheres gestantes ou mães de menores de 12 anos que se encontram presas provisoriamente no país, elaborado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu) e apresentado ao STF (Supremo Tribunal Federal) em maio. Segundo o CADHu, a determinação da prisão preventiva a estas mulheres “constitui ato ilegal praticado de forma reiterada pelo Poder Judiciário brasileiro”.
De acordo com cálculos feitos pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), a adoção dessa medida teria o potencial de colocar em liberdade provisória 1.746 mulheres somente no Estado de São Paulo. Esse número seria suficiente para esvaziar totalmente o Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha e a Penitenciária Feminina da Capital, que têm capacidade para 1.008 e 604 internas, respectivamente, segundo o Infopen.
No entanto, nem todas as mulheres têm a chance de se beneficiar da nova lei, pelo simples fato de não conseguir comprovar a maternidade por falta de documentos como certidão de nascimento e até registro de identidade. Foi este o caso de 69 mulheres entre as 179 atendidas pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro entre novembro de 2015 e fevereiro de 2017.
“Há pessoas que são presas sem nunca ter recebido um registro de nascimento. Não existem para o mundo, mas quando chegam ao sistema penal, ganham um RG. Isso ninguém fala sobre essa população invisível”, afirma a assistente social Mariângela Pavão, que há 20 anos trabalha com egressos do sistema penal no Rio.
Há muitos casos também de mulheres detidas que sequer sabem que estão grávidas. No documento Diretrizes para a Convivência Mãe/Filho no Sistema Prisional, elaborado pelo Departamento Penitenciário Nacional em 2016, estabelece-se enfim o direito de a mulher solicitar um teste de gravidez antes da audiência de custódia. (Do Gênero e Número)
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