Ícone do site Wordpress Site

Os dias sem paz e a revolução dos tristes

.Por Luís Fernando Praga.

Há períodos em que a tristeza se aproveita da situação para, sem cerimônias, circular por nossas veias e tornar bem triste cada pedacinho da gente, dominando e acinzentando o nosso enfoque sobre a vida.

Tem sido assim nestes longos e arrastados dias de golpe e de polarização no Brasil, e tem sido assim a cada vez que me debruço sobre os esboços deste novo texto.

O país que eu sempre amei, por sua natureza e por seu povo, continua o mesmo, entretanto, eu me desiludi. Desfiz-me da ilusão de que fôssemos um povo gentil, acolhedor e bem humorado para acordar na realidade de que somos um povo preconceituoso, traiçoeiro e violento, que se deixou dominar pelo ódio.

O choque de realidade foi a deixa para que a tristeza viesse tomar posse do que não é dela, e eu preciso vigiar!

Só o que tenho é esta vida, e não quero ser triste para sempre, o que é um paradoxo, pois o povo com quem me decepcionei e que anseia pelo mal de seus semelhantes viverá ao meu redor até que eu morra.

Dito isto, completo: nos dias de hoje, caso eu fosse um aficionado por condenar e castigar, caso a paz e a tranquilidade de meus dias dependessem do sofrimento de outra pessoa, caso a minha úlcera nervosa só crescesse enquanto eu não pudesse presenciar uma execução pública, caso eu acordasse e fosse correndo verificar se meu desafeto já estava sofrendo a dor que eu desejaria que ele sofresse, e caso eu me contentasse com a dor alheia como deveria me contentar com a Justiça, este eu hipotético não teria um bom relacionamento com o ser humano que sou. É… eu não seria amigo meu!

Como a vida é uma só, devo, sempre que possível, decidir com quem interagir e conviver, a fim de fazer de minha vida uma experiência maravilhosamente minha, rica em momentos felizes, em sentimentos e aprendizados, até que a morte me prive das convivências.

A luta, então, é por encontrar fontes de felicidade nos raros oásis de coerência deste grande deserto de desamor e ignorância em que acordei de repente.

Eu posso, sim, fazer algo pela riqueza de minha vida, mesmo que outros não o façam pelas suas.

Mas vivo num país dominado pelo discurso de ódio, pelo pensamento fascista, pela alienação, pelo fanatismo religioso e pela selvageria capitalista, que não escolhe a quem corrompe.

Pensar além das convenções, aqui, é pecado; e o medo de se assumir como se é, humanamente plural, individualmente único e naturalmente falível, suplanta, misteriosamente, a vergonha de se tornar um hipócrita.

Em meu país, tão sistematicamente saqueado e dilapidado pelo poder vigente, tornou-se natural acreditar que as instituições nos representam, apesar de representarem tudo, menos os interesses do povo; e pior: tornou-se um ato patriota, odiar e exigir punição exemplar a quem quer que nos seja apresentado, por tais instituições, como vilão ou “culpado”.

Punimos arbitrariamente desde sempre e não vejo que tenhamos atingido qualquer avanço social com tantos “castigos”. Exemplar seria que conseguíssemos recuperar as pessoas que agiram de forma inadequada; e não, agirmos, enquanto sociedade, de forma tão ou mais inadequada que o próprio “criminoso”.

O país que amo sempre foi governado por gente ligada às mais cruéis e retrógradas oligarquias, controladoras de instituições poderosas, que, sob um falso manto de benevolência, sugam nossa força de trabalho, oprimem o livre pensamento e inviabilizam nossa união em torno de objetivos comuns, concretos e atingíveis.

Não há objetivo mais nobre, para um povo, que o de se ampliar sua autonomia. Deveria ser neste sentido o empenho de instituições com a pretensão de representar o povo, mas bastou uma levíssima brisa daquela autonomia para que a elite dominante, amparada por seus 4 poderes corrompidos, reagisse brutalmente e, através deste golpe, restituísse seu domínio, à custa de um doloroso retrocesso.

Aliás, os 4 poderes que sustentam nosso sistema “democrático” criaram uma sociedade submissa, alicerçada na hipocrisia e, sem a menor intenção de ofender às profissionais do sexo, nunca foram mais que 4 putas a serviço da aristocracia, sempre dando mais a quem melhor pagasse.

Todos somos reféns dessas 4, e temos a mídia como a mais bela e sedutora delas.

Nossa “justiça”, mergulhada no mar de excrementos que ela mesma fez acumular, impregnada pelo cheiro podre da desigualdade, que só recende mais a cada dia, obriga um povo ignorante e destituído de ética a crer na mentira de que se faz Justiça punindo os pobres, castigando os pretos, vingando-se dos insubordinados e rebeldes, apinhando presídios com gente igual à gente e “curando” os gays.

Há décadas que já não aceito a privação da liberdade ou qualquer outra forma de punição vingativa e violenta (pena de morte, etc.), como forma de se garantir a segurança, diminuir a criminalidade ou galgar a justiça social; muito menos como forma de reabilitar pessoas.

Muitos dirão: “Ah, mas é a lei, tem que respeitar!”.

Eu sei, a lei de nosso país é assim, mas não confio em quem a criou, não concordo com ela e penso mesmo que, nestes moldes, não deve ser cumprida!

Nossas leis foram criadas com caráter de controle social. É nítido o nível de parcialidade com que elas têm sido aplicadas e, sem empoderamento do povo, jamais serão cumpridas de forma imparcial. O ideal seria que fossem revistas o quanto antes e desobedecidas desde já, para que não continuem sendo usadas como semeadoras da injustiça, mas estamos muito longe do ideal.

Nenhum ser humano pode decidir que dar fim à liberdade de outro ser humano represente o clamor da Justiça. Isto se chama “gente brincando de ser Deus” ou autoritarismo.

A liberdade é a joia mais cara de nossas vidas e é essencial, para a evolução do indivíduo e da espécie, que todos a possamos exercer, pois nem a liberdade do senador nem a minha liberdade, e acredite, nem a liberdade de um juiz são mais caras que a liberdade de ninguém.

Está claro que, aos olhos da justiça brasileira, todos somos fora-da-lei e réus em potencial (exceto os juízes, que são Deus) e que a aplicação da lei sempre dependerá mais de quem nos acusa que de nossas “culpas” de fato.

Neste país que amo, dinheiro e poder são valiosos antídotos contra a aplicação da lei e, por outro lado, excelentes estimulantes para que a lei seja aplicada, com seu máximo rigor. Tudo depende das partes envolvidas, e sempre haverá um lado com mais dinheiro e poder.

Seria um crime contra a vida que desejo viver, não enxergar que juízes, ou pelas contingências da falibilidade humana, por limitações técnicas ou por má fé, muitas vezes decidem que a lei deve punir inocentes, e, ao mesmo tempo, são coniventes com a barbárie e condescendentes com gente poderosa e perigosamente daninha à sociedade.

Claro, juízes também acertam, afinal, em certos casos, são pagos para acertar; e não, para errar; mas, diga-me, leitor: qual foi o grande ato, redentor e humanitário, promovido pela instituição “justiça”, que se iguale, em grandeza, às terríveis injustiças que ela tem cometido, ao longo dos séculos, contra nosso país e contra a humanidade?

Se o indivíduo não tivesse se rebelado, se o ser humano injustiçado não tivesse se insubordinado às leis abusivas e desumanas, lutado e morrido por sua dignidade, seriam, ainda, os juízes da “santa” inquisição que estariam aplicando, sobre nós, as mesmas leis, bizarras, tendenciosas e ineficazes de séculos atrás.

Se nós, os cidadãos, aguardarmos que a Justiça se faça pelas mãos daqueles que pagam e recebem muito bem para que ela continue sendo uma mercadoria do capitalismo, jamais teremos uma sociedade justa.

Curvarmo-nos, passivamente, às decisões desse sistema judiciário, implica em aceitarmos o acúmulo histórico de seus desmandos e arbitrariedades, que pesam, cada dia mais, sobre a vida da multidão explorada e pouco endinheirada.

Nos presídios superlotados já temos mais de 700 mil pobres encarcerados, o número só aumenta e nenhum benefício social se extrai disso; pelo contrário.

Todo este peso, aliviado da elite, e despejado, século após século, sobre as costas de um povo sofrido, acomodado e acovardado, alimenta minha tristeza e frustra qualquer sonho de harmonia social.

Nosso povo, moldado pelo sistema, é cultivado de modo a aceitar, de modo a ser cordeiro e de modo a odiar quem os ameace com a liberdade, porém, acha bonito aplaudir as arbitrariedades de juízes tiranos e sectários.

Comemorar o uso desproporcional da força, por parte de uma instituição corrompida, sobre um ser humano que ganhou, dessa mesma instituição, o rótulo de “culpado”, é ser, ao mesmo tempo, manipulado, covarde e vingativo.

Nossos pequenos avanços foram frutos, muito mais da insubordinação e do questionamento de rebeldes, que da boa vontade dos sistemas judiciários ou do bom cumprimento de leis abusivas.

O conceito de Justiça e nossa forma de agir socialmente em prol da Justiça precisam ser profundamente transformados e nenhuma transformação profunda se dará pelas mãos de quem não tem o interesse de transformar, de quem vive no platô de nosso abismo social, em situação extremamente confortável e escravizado a privilégios.

Sinto, intimamente, que Justiça não é isto que nos apresentam como se fosse, e que devo ser um amigo íntimo da vida que tenho, não um amigo, sempre amedrontado e interesseiro, deste sistema podre.

Dentro deste contexto, pra não ser triste a vida toda, desejo viver o tempo que me resta em prol da clareza e da luta contra o sistema que nos aprisiona a esta realidade antinatural.

Quero ter esperança no mundo que vislumbro além dos escombros do sistema, como que tem esperança na cura do câncer e se alegra com esta possibilidade, mesmo que ela só vá se tornar realidade após muitas gerações.

Quero ser feliz pela Natureza que me resta, pelos rios que ainda sobrevivem, pela chuva que lava e leva o passado para seu devido lugar, e pela esperança em cada dia que renasce como uma nova chance de visão aos cegos.

Serei feliz pela fé em que o amor se mostre, se mostre lindo, se mostre isento de riscos, se mostre desejável, curativo e muito mais poderoso que o ódio.

Já posso ser feliz pela esperança que deposito no potencial transformador do povo e de cada amigo infeliz, indignado e prestes falar pela voz da liberdade e soltar o grito de ”basta!” da garganta.

Vivamos! Lutemos! Obrigado, acabou!

Sair da versão mobile