.Por Ricardo Pereira.
A Lava Jato divide opiniões. De um lado estão aqueles que acreditam que a força-tarefa está mesmo empenhada em combater a corrupção.
De outro aqueles que apontam a seletividade de suas investigações com suas denúncias baseadas mais em convicções do que provas.
O filme de Marcelo Antunez, “Polícia Federal – A Lei é Para Todos”, dialoga nitidamente com o primeiro grupo, tanto que não faz referência alguma às arbitrariedades cometidas pela Lava Jato, apontadas e repetidas exaustivamente por advogados e juristas – como foram os casos dos vazamentos para a imprensa, das prisões preventivas juridicamente questionáveis ou da condução coercitiva do ex-presidente Lula, a cereja do bolo do longa-metragem.
O tom do roteiro assinado por Thomas Stravos e Gustavo Lipztein é assumidamente maniqueísta, transformando os policiais federais e procuradores em heróis enquanto condena antecipadamente aqueles que ainda são alvos de investigações como que negligenciando os processos que na justiça do “mundo real” seguem tramitando com possibilidade de absolvição.
O problema é que o “mundo real” da Lava Jato ainda está por ser desvendado, o que se conhece da operação é uma “imagem” construída favoravelmente pela grande mídia interessada em opor a força-tarefa aos grupos políticos que visa enfraquecer, fazendo com que sumam do noticiário suas possíveis falhas, excessos e desvios; o que Antunez leva para a tela é esta mesma “imagem” produzida com estes claros contornos políticos. Tivessem diretor e roteiristas optado por se aprofundar sobre a Lava Jato apresentariam, no mínimo, suas contradições.
O filme, portanto, não está preocupado em desvendar coisa alguma ou em criar qualquer dúvida sobre a idoneidade da operação, o que seria, consequentemente, colocar em dúvida a culpabilidade dos investigados, mas em manter intacta a “imagem” que a mídia dela construiu, assumindo, assim, os mesmos contornos políticos, o que faz dele mais uma peça de propaganda desprovida de qualquer senso crítico; trata-se de um filme apologista, em que ao não tecer qualquer comentário sobre sua seletividade, toma posição favorável a direção dada às investigações, pouco importando quais sejam seus métodos e este posicionamento não está, a meu ver, desligado da polêmica que envolve a sua produção – como é sabido, os R$ 16 milhões investidos no filme vieram de patrocinadores privados mantidos em sigilo inclusive nos créditos, o que aumenta ainda mais as suspeitas em torno dos seus reais objetivos.
Mas a bem da verdade, o filme não causará mais estrago à reputação dos investigados do que a operação secundada (ou estimulada) pela grande mídia já o fizeram justamente pela forma enviesada com que retrata as ações da força-tarefa. Um dos pontos altos do filme, justamente a reprodução da condução coercitiva do ex-presidente Lula (feito de forma caricatural pelo ator Ary Fontoura) é um claro exemplo do quanto esta opção maniqueísta que falseia a realidade fica mais evidente. A opção foi mostrar um Lula assustado e apreensivo, algo que as imagens originais desmentem. Em vez de reproduzir as operações Antunez reproduz um “discurso” sobre as operações.
Entre ser fiel aos fatos, nem que fosse para manter uma aparente neutralidade que se não agradasse possivelmente a gregos e troianos, minimizaria seu maniqueísmo, Antunez optou por mergulhar de cabeça na tese da integridade de uma operação que já se revelou enviesada justamente porque ela mesma fruto da polarização em que o país se encontra desde o resultado da eleição de 2014 e que atinge seu ponto máximo no “impeachment” da presidenta Dilma para uns, golpe parlamentar para outros.
A polarização que o filme apresenta não é ideológica, partidária, de dois projetos distintos do país, mas do bem contra o mal, com o “bem” sendo representado exclusivamente pela Lava Jato (nos mesmos moldes dos “intocáveis” da Chicago dos anos 1930) e o “mal” por todos aqueles que investiga, tenham sido comprovadas ou não as denúncias que contra estes pesam.
Ora, todos nós temos lado, ninguém está acima das paixões, num momento político como o que vivemos menos ainda, o que se cobra, portanto, é honestidade dos que participam do debate político, não escondendo suas posições ao afirmarem que “a lei é para todos” quando os próprios fatos revelam o contrário.
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